segunda-feira, 28 de setembro de 2020

CATOLICISMO OU ANARCOCATOLICISMO?

 

Carlos Nougué

 

O tradicionalista argentino Antonio Caponnetto mostra, uma vez mais, na conferência, “Contra la ‘Nueva Normalidad’, la Pedagogía del Ánimo”, para onde caminha essa corrente tradicionalista que acusa de ultraclericalismo calvinista a defesa intransigente da ordenação essencial do estado à Igreja: para um anarcocatolicismo. Na referida conferência, Caponnetto simplesmente nega ao estado a autoridade máxima em questões sanitárias. Pode ser que, por argentino, Caponnetto extrapole para o resto do mundo a situação de seu país, em que um tiranozinho se vale da crise sanitária para aprofundar a revolução. Mas isto está longe de ser verdade para a maior parte do mundo; e já vimos aqui a posição muito equilibrada de Roberto de Mattei quanto a isto.

Parece todavia que Caponnetto e seus pares se esquecem da lição de São Paulo e de São Pedro (respectivamente em Romanos 13, 1-7, e 1 Pedro, 2, 13-17) e de Santo Tomás (na Suma Teológica) sobre o dever de submissão do católico ao governante na esfera própria do estado (dever de submissão que, para S. Tomás, se estende até a leis iníquas mas não demasiado gravemente ofensivas da lei natural). Esquecem-se, ademais, que o magistério autêntico da Igreja afirmou e reafirmou que o estado é sociedade perfeita, e que a família não o é. Claro, resta explicar como pode ser que uma sociedade perfeita, o estado, deva ordenação essencial a outra sociedade perfeita, a Igreja, questão árdua que ocupará boa parte de meu “Da História e Sua Ordem a Deus” (que sairá como apêndice, longo, de meu Comentário ao Apocalipse). Mas diga-se desde já que a resposta se encontra, por um lado, no triplo modo como algo se pode dizer perfeito e, por outro lado, na absoluta gratuidade da graça e da beatitude eterna da parte de Deus – além, naturalmente, de na ordenada subordinação dos fins.

Mas diga-se desde já também que, se é verdade que, excetuadas talvez a Polônia e a Hungria, todos os demais estados atuais são em ilegítimos e em algum grau cadáveres de estado, também é verdade que isso não anula sua autoridade em questões como a sanitária, assim como um pai ateu não perde a autoridade sobre seus filhos quanto a assuntos estritamente domésticos. Que um católico como Caponnetto proponha o contrário é vergonhoso – e não dista muito do liberalismo e do anarcocapitalismo.