segunda-feira, 27 de junho de 2022

A raiz comum dos três Lamennais

                                                                                                                         Carlos Nougué

O liberalismo do Padre Félicité Robert de Lamennais, fundador do jornal L’Avenir, foi condenado pela Encíclica Mirari vos (1831), de Gregório XVI, e pela Encíclica Singulari Nos (1834), do mesmo Papa. Mas Lamennais não foi só liberal; fora antes ultramontano e tradicionalista, ao modo de De Bonald e De Maistre, e seria depois socialista “utópico”, ao modo de Fourier. Não se creia, todavia, que Lamennais padecesse algum transtorno de personalidade múltipla. Os três Lamennais têm uma raiz comum: em vez de, como devido, defender que o poder temporal deve ordenar-se essencialmente e diretamente ao poder espiritual quanto ao fim deste, que é Deus mesmo e a salvação das almas, Lamennais dividia a Igreja em duas, uma terrestre, outra celestial. Caberia à terrestre perseguir um fim imanente das sociedades humanas, ou a tradição conservadora e ultramontana, ou a perfeita democracia, ou o socialismo; e deveria fazê-lo independentemente do fim sobrenatural da outra Igreja, a celeste. Quase o mesmo trajeto percorreria Jacques Maritain no século XX: de ultramontano a liberal laicista e ecumenista. Que pois tudo isso nos sirva de lição, para que não adiramos a nenhuma das possíveis vertentes da “Igreja terrestre”. Ainda que as sociedades não voltem a ordenar-se essencialmente à Igreja e seu fim divino e sobrenatural, nem por isso devemos aderir a nenhum conservadorismo, a nenhum liberalismo, a nenhum socialismo. Havemos sempre de repetir, como parte de nossa confissão de fé: ou as sociedades se porão sob o estandarte de Cristo Rei, ou, sob governos de direita ou de esquerda, nunca passarão de pasto de demônios.  

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Os católicos e a política

                                                                                                                         Carlos Nougué

 Os católicos em geral, incluindo parte considerável dos que são religiosamente tradicionais (sacerdotes e leigos), não sabem o que seja a doutrina da realeza social de Cristo. Ou simplesmente a desconhecem, ou, se a conhecem, hão de considerá-la algo antes teórico, porque na prática acabam de um modo ou de outro aderindo à atuação política dos liberal-conservadores. Tornam-se com isso reféns de certa forma de liberalismo, o conservador, ainda quando se proclamem antiliberais. Este fenômeno, que veio dando-se crescente-mente desde o ocaso da cristandade, se agravou no século XIX com o tradicio-nalismo condenado pelo Concílio Vaticano I (entre cujos principais repre-sentantes estavam o Conde Joseph de Maistre e o Visconde de Bonald), e não se interrompeu no século XX nem nos dias atuais. Daí o apoio de católicos considerados ortodoxos à Action Française de Charles Maurras e ao atual perenialismo internacional, comandado, de um lado, por Steve Bannon e, do lado só aparentemente oposto, por Alexandr Dugin, e representado de maneira mais ou menos consciente tanto por alguns estadistas como por alguns purpurados, como, por exemplo, D. Viganò. Naturalmente, o que esses estadistas e purpurados combatem nós também o havemos de combater. Mas não do modo nem com a finalidade com que o fazem as viúvas do condenado tradicionalismo do século XIX. Não podemos combater o comunismo nem o libertinismo marcusiano (a revolução hegemônica no mundo atual) com as armas do liberal-conservadorismo. Podemos até votar num candidato liberal-conservador que se mostre um mal menor que seu adversário, assim como se induz a amputação de um membro para evitar que a gangrena tome todo o corpo. Mas não podemos de modo algum apoiá-lo efetivamente, porque nos é vetado apoiar qualquer mal, maior ou menor. E devemos repetir e repetir: ou as nações se porão sob o estandarte de Cristo, ou, sob o governo de um mal maior ou menor, não passarão de carniça para os demônios. Mas será possível que o mundo e suas nações voltem a fazer parte da Igreja? Não o sabemos nem o podemos saber, contra o que dizem algumas das referidas viúvas e seus sonhos mais ou menos milenaristas. O que sabemos e devemos saber é que este mundo perecedouro, cujo príncipe é o demônio, só nos pode interessar enquanto é nele que havemos de adquirir mérito para alcançar a felicidade no mundo imperecedouro: a Jerusalém celeste. Para todavia adquirir seguramente tal mérito, há que desprezar não só os males maiores, mas todo e qualquer mal, e proclamar como parte de nossa profissão de fé: ou o Cristo, ou o demônio, tanto em nossas almas e em nossas famílias como em nossas sociedades. Sim sim, não não.