domingo, 28 de agosto de 2022

Sermão sobre o Matrimônio, do Padre Álvaro Calderón

     

Fonte: Los Cocodrilos del Foso 

Tradução: Bruno Rodrigues da Cunha

    Nem tudo o que se encontra na Suma Teológica, de Santo Tomás, é exclusivamente para teólogos. Uma das pérolas mais acessíveis e úteis lá encontradas é seu pequeno tratado acerca dos bens do matrimônio.

Ele começa dizendo: “Nenhum homem sábio deve aceitar um prejuízo se ele não vier compensado por um bem igual ou maior”. E observa que o matrimônio traz juntamente consigo bens e males. Quem se casa aceita sofrer estes para alcançar aqueles.

Até essa frase, todos estão de acordo. Mas, daqui em diante — e é assustador percebê-lo — entre o que ensina Santo Tomás, resumindo toda a Tradição e bom senso católicos, e o sentir comum de hoje não há uma mera divergência, e sim uma total e exata inversão. Aquilo que para o Doutor da Igreja são males, agora são considerados bens, e os bens, males. Deixemos bem claro que falamos de pessoas que se consideram católicas, de forma sincera.

Embora devamos reconhecer que tanto nos tempos de maior fé, como na época de Santo Tomás, quanto nos tempos de muita incredulidade, como hoje, muitos renunciam ao matrimônio (claro, antigamente renunciavam antes do casamento para entregar-se a Deus, e hoje renunciam depois dele, para entregar-se a… sabe lá Deus). Ainda assim, tanto antes quanto agora, a grande maioria segue casando. E é curioso, porque, apesar dessa inversão exata de valores, o saldo continua sendo positivo.

Quais são, segundo Santo Tomás, os males que o casamento traz consigo? Em primeiro lugar, uma decaída da atividade espiritual, devido à veemência das paixões própria do trato conjugal. E em segundo lugar, a “tribulação da carne”, ou seja, as preocupações e os trabalhos ocasionados pelas necessidades temporais.

Contudo, esses não tão pequenos males são extensamente superados por três grandes bens: a prole, a fidelidade e o sacramento. São os filhos, a prole, o primeiro e o grande bem do matrimônio, aquilo pelo qual Deus o instituiu. O segundo bem é a fidelidade, pela qual o homem se une com uma única mulher, e a mulher com um único homem, tendo cada um no outro um apoio em que poderão confiar. E o terceiro bem, selo sagrado dos demais, é o sacramento, pelo qual o matrimônio se vê transformado por Deus em laço indissolúvel e fonte de santidade para toda a família.

Mas, ao contrário, o que move hoje muitos católicos a se casar? Principalmente os sentimentos e a paixão, que para um cristão só podem ser satisfeitos legitimamente dentro do matrimônio. E, em segundo lugar, as conveniências práticas: que haja alguém que varra a casa e faça a comida, ou alguém que dê um teto e comida. E, por essas razões, como homens sábios, aceitam a pesada carga dos poucos filhos, que escapam a seus cuidados; o resignar-se só exteriormente ao único cônjuge; e submeter-se como um condenado à cadeia perpétua da indissolubilidade.

Dissemos que percebemos, assustados, essa total inversão daquilo que é o matrimônio. Com terror! deveríamos dizer. Porque não se trata somente da perda das verdades de fé, o que já seria gravíssimo; senão da corrupção mesma da razão natural, o que é ainda pior. Um incrédulo pode se converter a Deus, mas um insensato não!

É evidente que para ter fé é necessário não estar louco. Mas, para ter a fé, não basta o uso da razão, mas também se faz necessário o uso correto da razão natural. Há uma relação mútua e estreita entre a fé e o bom senso das coisas naturais: nossa mente se eleva ao conhecimento dos mistérios divinos apoiada em comparações com as realidades naturais. E a luz desses mistérios faz com que compreendamos de um modo novo, muito mais profundo, as verdades das quais partimos. Essa é a explicação teológica do grande senso comum de um bom cristão, e da dificuldade de ser cristão àquele ao qual falta senso comum.

Não seria necessária a Revelação para saber que os filhos são a grande recompensa do matrimônio, que a fidelidade é um grande bem e que a indissolubilidade é, no mínimo, necessária. Mas somente a luz divina poderia mostrar aos fiéis a grandeza imensa desses bens. “Grande é esse sacramento”, exclama São Paulo falando do matrimônio, “mas o digo em Cristo e na Igreja” (Ef 5, 32). Somente ao mirar o mistério de amor e de união entre Cristo e sua esposa, a Igreja, podemos nos assegurar da grandeza do matrimônio cristão, já que ele é como um reflexo ou imagem daquele outro Grande Mistério de fecundidade, de fidelidade e de santificação.

Mistério de fecundidade: Cristo deu todo o seu Sangue para fazer fecunda a Igreja, e a Igreja ardeu em desejos de lhe dar filhos. Em todos os povos os engendrou, generosa, porque é Católica; e por ser Apostólica os deu à luz, incansável, em todos os tempos. Que pais verdadeiramente cristãos fariam delongas com o último de seus filhos, quando de tal forma Cristo os desejou!

Mistério de fidelidade: porque foi todo o seu Sangue o que Cristo deu, e nada guardou para si; não houve outra Igreja que pudesse ser objeto de seu amor. Por isso a Igreja é una, e com olhos para um único Senhor. É contemplando esse amor único, exclusivo porque é total, que os esposos cristãos aprendem a se amar: “maridos, amai vossas mulheres como Cristo amou sua Igreja, e, como a Igreja está sujeita a Cristo, assim as mulheres devem ser sujeitas a seus maridos em tudo” (Ef 5, 24-25).

Mistério de santificação: “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela para santificá-la”. É por sua união indissolúvel a Cristo na cruz que a Igreja é santa, e fonte inesgotável de santidade. Assim, o matrimônio cristão, elevado à dignidade de sacramento, é uma das sete fontes que derramam entre os homens a santidade que vem da cruz. Fonte de santidade na medida que é informada pela caridade e pelo espírito de sacrifício.

Os esposos católicos, neste tempo de confusão tão profunda e universal, devem mirar a Cruz, contemplar ali o mistério da união entre Cristo e a Igreja, para redescobrir a grandeza do matrimônio cristão. Seus filhos, um dia, ao ter em vocês a fiel imagem desse mistério de fecundidade, de fidelidade e de santificação, facilmente compreenderão por que a Igreja é Católica, Apostólica, Una e Santa.

Que difícil é compreender a esse par de sobreviventes do egoísmo de seus pais que a Igreja dê seu sangue em suas missões. Que difícil, quando veem separar-se aqueles que foram seus pais, para atirar-se em braços de estranhos, entender que Cristo não pode repartir seu amor em pedaços entre uma infinidade de seitas e religiões; e, por causa disso, que difícil descobrir que o ecumenismo conciliar é uma mentira. Que difícil acreditar que somente na Igreja se possa nascer e crescer, que ela seja o único lugar para a vida da graça, quando nunca sentiram, coitados, o calor de uma família. 

Padre Álvaro Calderón 

Fonte: aqui .

sábado, 20 de agosto de 2022

“Indiferentes à Missa nova?”, pelo Padre Álvaro Calderón


Dois ritos diferentes coexistindo para a celebração da Missa. Realmente devemos considerá-los como duas expressões de uma mesma coisa? Certamente isso não é uma questão de gosto: é a fé católica que está em jogo. Lembremo-nos de como devemos julgar a missa reformada de 1969.

Fonte: FSSPX/Distrito da América do Sul – Tradução: Dominus Est 

Muitos problemas seriam resolvidos se fossemos ao menos indiferentes à Nova Missa. De Roma não nos pedem outra coisa. De tantos católicos perplexos com a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, muitos acreditaram que o mal do novo rito viria apenas da maneira de celebrá-lo e os peregrinam pelas paróquias buscando padres, sempre poucos, que celebrem com piedade e não deem a comunhão nas mãos. Outros, melhor informados, sabem que a diferença não está nos modos do sacerdote, senão no próprio rito e reivindicam a Missa tradicional argumentando, com alguma hipocrisia, o enriquecimento que implica a pluralidade de ritos: o novo é bom, mas o antigo também, melhor então ficar com os dois!

Embora não haja tolos em Roma, toleraram essa conversa nos grupos tradicionais que se amparam (1) na Comissão “Ecclesia Dei”. Além disso permitiram aos Padres tradicionalistas da diocese de Campos, no Brasil, que ficassem com seu rito tradicional mesmo dizendo que a Nova Missa é “menos boa”. Mas em Roma  nossa Fraternidade porque causa incômodo, porque não só não diz que a missa nova é boa, mas a combate como perversa, incomodando a perplexidade que mesmodepois de quarenta anos de Concílio tantos católicos não deixam de padecer. Se, ao menos, fôssemos indiferentes – que os outros rezem como queiram – Roma nos deixaria em paz. 

Podemos ser indiferentes à Nova Missa?

Na véspera de sua Paixão, havendo chegado a hora de oferecer seu sacrifício redentor a seu Pai, Nosso Senhor fez uma aliança com Sua Igreja: Hæc quotiescumque feceritis, em mei memoriam facietis (Lembre-se de que morri por vossos pecados, que me lembrarei de vós na presença do Pai). E, sendo Deus, nos deixou o imenso mistério da Missa, pelo qual seu Sacrifício permanece sempre vivo, sempre novo, permitindo-nos assistir como ladrões arrependidos: Memento Domine, famulorum famularumque tuarum (Lembra-te, Senhor, de nós agora que estais em seu Reino).

A memória viva da Paixão que se renova pela dupla consagração graças aos poderes do Sacerdócio, a união misteriosa com a Vítima Divina que se realiza pela comunhão é a única maneira que tem o coração duro do homem para retornar ao amor de Deus, porque nada chama tanto ao amor como conhecer-se muito amado, e a Paixão de Nosso Senhor foi a maior demonstração de amor: ninguém ama mais do que aquele que dá a vida por seu amigo. É por isso que a obra da Redenção que Cristo realizada na Cruz não se faz eficaz para nós senão graças ao Sacrifício da Missa.

Ora, assim como não pode haver indiferença perante a Cruz de Cristo, tampouco pode haver perante o rito que renova seu Sacrifício. Quem não está comigo está contra mim, disse Nosso Senhor, e esta lei foi imposta pela Paixão. Posso passar reto por um vendedor se não necessito do que ele oferece; mas não posso ignorar um homem ferido porque ele precisa de mim. Não é um pecado evidente a indiferença ante a Jesus dos Milagres, pois posso dizer com São Pedro: retira-te de mim, pois sou pecador; mas é uma traição horrível dizer: não conheço tal homem, perante Jesus Crucificado. É a Cruz de Nosso Senhor que nos obriga a tomar partido, não me é permitido deixar de lado Aquele que morre pelos meus pecados!

O novo rito, criado sob Paulo VI para substituir o bimilenar rito romano da Santa Missa, suprimiu o escândalo da Cruz: evacuatum est scandalum crucis! A intenção imediata que guiou a reforma da missa foi o ecumenismo: criar um rito suficientemente ambíguo para ser aceito pelos protestantes mais “próximos” ao catolicismo; mas a intenção final foi suprimir a espiritualidade dolorosa da Cruz, porque sua negatividade supostamente repele o homem moderno.

É assombroso, mas se nossa religião remove o escândalo da Cruz, cessa a perseguição e os judeus são os primeiros a aceitar o diálogo ecumênico. São Paulo apontava esse mistério aos Gálatas, tentados a judaizar, acreditando que fosse necessário circuncidar-se:

“Quanto a mim, irmãos, se ainda prego a circuncisão (como falsamente dizem os que vos seduzem), por que sou ainda perseguido? Logo, cessou o escândalo da cruz”!

Como mostra o livrinho sobre o problema da reforma litúrgica, da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, a teologia subjacente à missa de Paulo VI obscurece a Paixão de Nosso Senhor para permanecer apenas com as alegrias da Ressurreição: supera o Mistério da Cruz com a nova estratégia do Mistério Pascal. Repete-se o que aconteceu quando Jesus anunciou pela primeira vez sua paixão:

Tomando-o Pedro aparte, começou a increpá-lo, dizendo: “Deus tal não permita. Senhor; não te sucederá isto”. (Mt 16, 22)

Visto com olhos muito humanos, com Cristo ressuscitado a Igreja pode entrar no mercado deste mundo, que morre em todos os lugares, com um produto de luxo: a esperança da ressurreição; mas com o Crucificado, todos os sermões devem começar como o primeiro de São Pedro, reprovando perigosamente aos poderosos deste mundo: “Vós o matastes” (Atos 2:23 ). Mas, qual foi a reação de Nosso Senhor ante a mudança de estratégia de mudança que lhe proporia seu Vigário?

Retira-te de mim, Satanás! Tu serves-me de escândalo, porque não tens a sabedoria das coisas de Deus, mas dos homens.”.

Em todos esses anos de resistência às transformações litúrgicas, dentre as fileiras dos perplexos emergiram muitos cruzados – bem ou mal intencionados, só Deus sabe – que, fazendo uso da boa teologia, defenderam que a reforma não é tão ruim como a retratamos. Vimos publicada até mesmo uma piedosa explicação da Missa Nova em que se mostra a história dos ritos como se nada tivesse mudado entre Paulo VI e São Gregório Magno.

Por que, então, reclamamos tanto! O que aconteceu foi que ficaram perplexos justamente os católicos que não conheciam muito bem as correntes subterrâneas da teologia modernista que, embora condenada e perseguida pelos papas antes do Concílio, foram ganhando terreno até instalarem-se no Vaticano, graças ao apoio de João XXIII e Paulo VI.

O pensamento que guiou as reformas, na sua raiz e na sua coerência interna, é verdadeiramente satânico, e infelizmente, não exageramos! É verdade que os materiais com os quais o novo rito foi construído vêm, em sua maior parte, da demolição do antigo; e, por isso, ante um olhar superficial – muito superficial! – parecem semelhantes: ato penitencial, leituras, repetição das palavras de Cristo, comunhão, benção final, tudo em castelhano português e de forma confusa. Acaso tudo isso seria tão diferente?

Sim, é totalmente diferente. Se tantos católicos que batizamos com o insultante, mas merecido título de “neocons”(2), vissem claramente como é e o porquê do rito da Nova Missa, certamente deixariam a indiferença sob a qual esconderam para juntarem-se ao clamor para que os altares das igrejas voltem a ser Calvários.

O livrinho sobre a Reforma que mencionamos, mostra minuciosamente qual é a teologia que anima a Nova Missa. O primeiro (satânico) princípio é que Deus, sendo imutável, não sofre danos pelos nossos pecados, de modo que por mais que pequemos, não deixamos de ser filhos amados, e basta que nos arrependamos para que tudo seja esquecido, sem exigir de nós reparação ou satisfação alguma por danos e prejuízos.

É muito interessante. Imaginemos um banqueiro com capital infinito: basta que peçamos perdão e fiquemos com a coisa roubada, porque em suas contas nunca aparece a subtração. Este pequeno sofisma  remove imediatamente a necessidade da Cruz – e também da própria Encarnação – porque o Verbo se fez homem e morreu por nós para reparar nossos pecados. O rito tradicional está profundamente marcado pela dívida da justiça que temos com Deus, é uma liturgia de “publicanos” sempre necessitados da redenção:

“Meu Deus, tem piedade de mim pecador”. (Lc 18, 13).

O novo rito, ao contrário, removeu todas as expressões com finalidade propiciatória, considerando que os fiéis, depois de pedir o perdão inicial, já estão santificados, podendo fazer sua a oração do fariseu: “Graças te dou, ó Deus, porque não sou como os outros homens”. Aquele que olha para o novo rito com medo de achar defeitos, pode facilmente negar essa intenção, porque a liturgia não prega sua doutrina em linguagem científica, e sim encarnada em gestos e imagens. Contudo basta ir aos livros dos teólogos que a fizeram e poderá comprovar a grande advertência com que dirigiram essas mudanças.

Como a paixão e a morte de Cristo perdem o sentido se o pecado não exige reparação, elas foram escondidas sob o conceito de Páscoa ou “passagem“, ou seja, a morte não seria mais do que a passagem para a Ressurreição. A consequência litúrgica é que a Missa não é mais um rito sacrificial que renova o Calvário, mas um duplo banquete que antecipa a alegria  dos ressuscitados.

Às vezes nos custa aceitar que até haja sacerdotes que não reconheçam a enorme diferença que há entre o antigo rito sacrificial e o novo banquete. O rito tradicional tem uma parte preparatória ou antemissa, que termina no Credo, e há três partes integrais: o oferecimento ou ofertório, a imolação pela dupla consagração e a comunhão com a Vítima Divina.

O novo rito, no entanto, segue um caminho absolutamente diferente: consiste em duas partes paralelas, a liturgia ou a “mesa” da Palavra e a mesa da Eucaristia, da qual a primeira não é a menos importante. Isto já é uma novidade absoluta, como uma simples preparação pode substituir em importância o que era propriamente a Missa?

E as três partes da liturgia da Eucaristia já não são as de um sacrifício, mas uma refeição: apresentação dos alimentos, ação de graças e a refeição propriamente dita. O que há de semelhante com o Santo Sacrifício da Missa? São somente os materiais de demolição. As “palavras da consagração” não são mais consideradas como tais, mas agora são apenas uma recordação dos gestos e palavras de Cristo, por cuja “memória” se faria objetivamente presente o Kyrios, o Senhor da glória com seus mistérios. É muito difícil para aqueles que foram formados na doutrina clássica entender essa nova linguagem – sabemos por experiência – e lhes custa acreditar que se pense o rito de forma tão diferente. É assim entre nós discutimos se remover o Mysterium Fidei da fórmula da consagração ou o tom narrativo invalida ou não a transubstanciação, mas para o novo rito esta discussão não tem sentido, porque para ele a presença de Cristo é efetivada por outro mecanismo: o poder evocativo do memorial. É difícil acreditar? Por exemplo: em Roma pôde ser considerada válida uma anáfora, a de Addai e Mari, sem as palavras da consagração. Evidentemente, sob o nome de Missa nova ou antiga estão sendo entendidas coisas muito, mas muito diferentes.

A nova teologia, que não é mais que um novo disfarce do camaleônico modernismo condenado por São Pio X, toma como instrumento o pensamento moderno, anti-realista e antimetafísico, para reinterpretar a Revelação ao gosto do “homem de hoje“, uma criatura mitológica inventada pelos meios de comunicação. Assim, eles pretendem substituir a profunda teologia sacramental, levada tão alto por Santo Tomás e canonizada em muitos dos seus pontos pelo magistério da Igreja, com o confuso simbolismo dos pensadores modernos, que esvazia da realidade todos os mistérios e os deixa flutuando em uma esfera imaginária de puros conceitos. Para ela, não há apenas sete sinais sacramentais, mas tudo é “símbolo”: Cristo é sacramento, a Igreja é sacramento, a Escritura, a realidade, tudo o que percebemos se transforma em puro sinal de um mistério indefinível.

A realidade da transubstanciação, da união hipostática, do caráter sacerdotal, da graça santificante, tudo desaparece diante dessa maneira de pensar. E este é o pensamento que anima a Nova Missa. Cristo está presente na assembleia dos fiéis, na Sagrada Escritura, no ministro que presidente, no Pão Eucarístico, mas todas essas presenças se confundem em uma mesma, que resulta tão confusa e indefinível, que se desvanece: se Cristo está tanto no meio, no livro, no Padre, na Hóstia, se está em toda parte, não está em nenhuma! E os fiéis o encontram tanto nas igrejas como na rua.

A alma da Nova Missa é uma alma perversa. Os católicos que se esforçam em ver nela apenas os materiais de demolição, tentando reconstruir em sua cabeça a figura do rito tradicional, podem não percebê-la e atenuar os danos causados ​​por sua presença. Certamente não se trata de uma substância viva e é necessário dar-lhe vida por certa compreensão do que seus ritos significam. Mas as formas sensíveis têm sua força e o homem não pode resistir por muito tempo a elas. Assim como não se pode frequentar as discotecas sem a erosão da honestidade, tampouco pode frequentar um rito modernista sem o desgaste da fé.

Assim é, ao menos, para o mais comum dos mortais. E estamos olhando para um único lado da moeda, porque devemos ter em mente que os ritos tradicionais são “sacramentais“, isto é, são formas sensíveis com uma alma sagrada, que transmitem graças atuais quando recebidas com fé. Qualquer fiel católico pode unir-se à Missa ainda que à distância, mas se a Igreja mandou, sob pecado, que a cada domingo se assistida, é justamente pela eficácia santificadora de seus ritos, que predispõem a alma a unir-se mais eficazmente ao Santo Sacrifício. Por ter suprimido o rito tradicional, a fé dos católicos definha; por ter instalado um ritual modernista se propaga eficazmente – se torna mais um gesto do que um silogismo – um espírito carismático profundamente contrário ao catolicismo autêntico.

Não podemos ser indiferentes à Nova Missa, não podemos permitir que a Cruz de Cristo seja suprimida como se ninguém tivesse matado Nosso Senhor. Ratzinger(3) disse que o “homem de hoje” não é capaz de compreender o sacrifício e deve-se falar em outra linguagem. É completamente falso. Um mero filme sobre a Paixão atraiu pessoas que já não iam mais à igreja, porque a única coisa que pode nos comover é o Sangue de Nosso Senhor.

Quando pensamos em tantos cristãos que estão de banquete perante o Calvário, parecemos sentir a queixa de Nosso Senhor:

Tornei-me um estranho para os meus irmãos, e um desconhecido para os filhos de minha mãe. Falam contra mim os que se sentam à porta, e escarnecem-me os que bebem vinho”. (Salmo 68).

Sim, eles não sabem o que estão fazendo. Tampouco sabia a população manipulada pelos judeus na sexta-feira santa, mas não é muito diferente o tratamento que Jesus Cristo sofreu em sua Via Crucis daquele que agora sofre com a comunhão na mão. Católicos, assistir ao drama da paixão sem reação é pecado!

Não se pode assistir calado a uma Missa que pretende ignorar o Crucificado, que canta alegremente perante sua dor, que coloca as mãos não consagradas em tudo o que há de mais sagrado: sacerdote, altar, missal, sacrário e até o corpo divino…. tudo e por todos é manuseado. Quantos males cometeu o inimigo nos nossos altares! Mas não cessaremos de lutar até a abominação desoladora cessar nos lugares santos. 

Pe. Álvaro Calderón

 Tirado da revista “Iesus Christus” nº 97, correspondente ao bimestre de janeiro / fevereiro de 2005.

 Fonte: aqui .

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

A democracia moderna é uma religião


https://medium.com/@ltjunior/a-democracia-moderna-%C3%A9-uma-religi%C3%A3o-por-maxence-hecquard-3858c325f93b

domingo, 7 de agosto de 2022

"Contra a hermenêutica da continuidade em Dignitatis Humanae", por Dom Bernard Tissier de Mallerais, FSSPX (tradução de Witor Belchior)


https://medium.com/@witorbelchior/contra-a-hermen%C3%AAutica-da-continuidade-em-dignitatis-humanae-dom-bernard-tissier-de-mallerais-19b99c372b94?fbclid=IwAR3YLuhpNa52SzkNVi7XBCjaOhtUKGa4vFYqbYNT49xz14699xC9-6JRuhM



terça-feira, 2 de agosto de 2022

A perseguição dos progressistas aos católicos tradicionais no decorrer do CVII

 Frei Mario Agustín Pinto, O.P.

(Publicado na revista VERBO, setembro de 1964, nº 44/45.)

Tradução: Urlan Salgado de Barros 

Dizia São Jerônimo, aludindo à singular difusão que em seu momento alcançara a heresia do arianismo, que um dia o mundo despertou vendo com espanto que era ariano. Pois bem, algo análogo pode dizer-se em nossos dias com respeito a essa nova forma de erro que genericamente leva o nome de progressismo católico.

O progressismo, com efeito, infiltrou-se em todos os âmbitos da Igreja, mas de modo principal nos seus centros mais vitais, ou seja, nos seminários, nas casas de formação do clero secular e regular, nas Universidades, academias e institutos católicos, em todos aqueles lugares, enfim, onde se formam as mentes daqueles que estão destinados a ser os dirigentes e mentores do povo cristão. É um processo semelhante àquele que oferecera, no começo deste século, o modernismo, com o qual, por outro lado, se apresenta em continuidade perfeita, e contra o qual reagiria com sobrenatural fortaleza São Pio X. Infiltra-se como um veneno sutil que dissolve as mentes dos homens e as estruturas sociais nas fileiras dos leigos, do clero, do episcopado, determinando atitudes, iniciativas, proposições, decisões, que provocam a angústia das almas fiéis e a desorientação e confusão no povo crente, que acaba por não saber afinal o que pensar nem o que fazer, pois vê que se questionam práticas, certezas, costumes que supunha, fundadamente, imutáveis.

Aos que, desde trinta anos atrás, vínhamos acompanhando com atenção e angústia este processo, a situação a que chegamos não pode certamente surpreender. É a conclusão lógica dos erros do liberalismo, do modernismo, do maritainismo, do personalismo, que se combinaram e se resolveram no erro global do progressismo. Mas a grande massa dos fiéis católicos não possuía elementos suficientes para suspeitar o que se vinha incubando no seio da Igreja, pois até pouco tempo atrás as novas ideias se manifestavam rodeadas de precauções e cautelas, ante o temor da autoridade eclesiástica, e principalmente da Congregação do Santo Ofício, cuja necessária função moderadora e vigilante fez dela objeto de ataques tenazes e insensatos. Mas eis que, de repente, parece que todas essas inibições desapareceram, como se todas as comportas fossem abertas. Por isso o mundo católico pôde despertar um dia vendo, com assombro, que estava circundado, infiltrado, penetrado pela maré imparável e sempre crescente das novas correntes progressistas.

Ante esta situação, em verdade dramática, é necessário, hoje mais que nunca, que os espíritos que souberam conservar sua lucidez intelectual, e seguem aderindo firmemente à integral doutrina da Igreja – os tão censurados “integristas” das campanhas difamatórias do progressismo –, deem seu testemunho da verdade, para contribuir para dissipar, na medida de suas forças, tão universal confusão. Assim fizemos entre nós, os teólogos argentinos, que desde muito tempo atrás se vêm assinalando por sua intrépida constância na luta contra os erros que conduziram gradualmente até a atual crise progressista. Por tudo isso, recomendamos vivamente os estudos recentemente publicados que projetam vivíssima luz sobre o fundamento, a raiz e as múltiplas implicações dos erros que vínhamos comentando. Um deles é o R. P. Alberto Vieyra, O.P., que em seu opúsculo “O erro do progressismo” (“El error del progresismo”), assinala agudamente com fundamento filosófico este erro, o deslocamento que nele se produz no sujeito mesmo da moralidade sob influxo da instância personalista e existencialista da filosofia contemporânea, radicalmente oposta à filosofia cristã tradicional das essências eternas e imutáveis. O outro é um folheto que contém conferências do R. P. Julio Meinvielle, “Em torno do progressismo cristão” (“En torno al progresismo cristiano”). Já no ano de 1960, em um número da Revista Estudios Teológicos y Filosóficos, que adquiriu nestes momentos de crise renovada atualidade, o R. P. Julio Meinvielle, tomando como ponto de partida o problema dos sacerdotes operários (obreros), investiga, com sua habitual sagacidade, a raiz teológica mais profunda do progressismo católico, e a descobre na concepção de um cristianismo “reencarnado”, quer dizer, na tentativa audaz de implantar uma sorte de “novo cristianismo”, que completa e aperfeiçoa a “nova cristandade” de Maritain, e que não deixa de evocar a memória do abade Joaquim de Fiori, que pretendeu pregar na Idade Média um novo Evangelho, o “Evangelho eterno”, como ele dizia, e a quem refutou Santo Tomás com razões contundentes (cf. Summa Theol. I-II, 106, 4). Em suas conferências recentemente publicadas, o P. Meinvielle completou aquela aguda análise à luz dos novos e surpreendentes desenvolvimentos que alcançaram aquele erro.

Cremos sinceramente que todo aquele que lê estes estudos com espírito justo e sem preconceito, com sincero amor à verdade, encontrará neles todos os elementos necessários para formar um juízo ortodoxo e exato acerca destes erros perniciosos, que determinam, para onde o infortúnio vem impor-se, a turbação dos espíritos, o relaxamento da moral, a destruição do conceito de autoridade e da disciplina eclesiástica, a mais triste e lamentável subversão. Aqui mesmo na Argentina exemplos recentes, que não vem ao caso enumerar por serem bastante conhecidos, vêm a confirmar, com meridiana claridade, nossa asserção.

Não se nos oculta a sorte reservada a quem na hora atual se atreve a desmascarar e denunciar estes erros. Os progressistas, com efeito, declararam uma guerra sem quartel a todos aqueles que permanecem imutáveis na defesa da doutrina católica, tradicional e integral. Contam eles com quase todos os meios de publicidade, e gozam do favor e da ajuda dos inimigos ocultos e abertos da Igreja. Por isso não vacilaram em desencadear campanhas de difamação e desprestígio que chegam até aos mais altos níveis da Igreja: Cardeais, Superiores de Ordens e Congregações, eminentes teólogos romanos. Assim o assinalou com palavras de fato comovedoras a revista francesa Itinéraries, dirigida pelo grande polemista católico Jean Madiran, assessorada pelo R. P. Thomas Calmel, O.P., querido condiscípulo e irmão, por cuja luta heroica travada em circunstâncias singularmente difíceis lhe fazemos chegar nossa homenagem de cordial solidariedade e admiração. Lemos, com efeito, no número 69 de Itinéraires, numa crônica romana assinada por “Peregrinus”, estas palavras de angústia, que mostram até onde vai essa audácia agressiva do movimento progressista, em sua campanha contra o “integrismo”, ou seja, contra os defensores da doutrina católica integral, sem mutilações que a desvirtuem em seu conteúdo essencial. Diz Itinéraires:

“A desqualificação arbitrária das pessoas pelos reflexos condicionados do anti-integrismo é um processo de autodestruição da Igreja. Se esta fosse uma sociedade somente humana, não poderia sobreviver. O ‘integrista’ é aquele a quem não se fala; já não é um irmão, nem sequer um irmão inimigo; não é um adversário humano; é o equivalente a um cão sarnento que se espanta com um pontapé. Ele é desprezado em silêncio ou insultado com a maior grosseria. Ele é considerado capaz de tudo e ainda mais baixo na escala dos entes do que criminosos endurecidos, que recebem pelo menos algumas funções nas prisões. Pode fazer qualquer coisa, exceto levar em conta sua existência e sua opinião. Basta que se tenha lançado a qualificação de ‘integrista’ com alguma insistência no universo do rumor organizado para que, praticamente, nem sequer se examine se essa qualificação é fundada, e em que medida e em que sentido. É de si global e definitiva, como a declaração de que um indivíduo está contaminado com lepra; já não cabe para ele nenhum contato com os homens sãos. Entretanto, a uma parte cada vez maior em número de clérigos e leigos que integram a Igreja é posto este rótulo pestífero. É ‘a guerra psicológica’ transplantada para o seio da Igreja”.

“Esta ‘guerra psicológica’” – acrescenta o mesmo autor – “se desenrolava até há pouco tempo nas zonas periféricas do corpo eclesiástico, no âmbito das paróquias, da organização da Ação Católica, dos Vicariatos Gerais das dioceses, às vezes também no âmbito de tal ou qual conferência episcopal. Mas agora foi levada até o centro mesmo da Igreja. E agora Cardeais da cúria, Superiores de Ordens Religiosas, teólogos romanos vêm a ser pessoalmente destroçados pela máquina infernal. Alguns deles conhecem já por experiência própria a escuridão da solidão e do desprezo, a tentação do desespero, a desorientação da alma, provocada em suas vítimas por essa guerra psicológica organizada pelo anti-integrismo. Experimentam o que experimentaram antes que eles, sem que eles o soubessem, talvez sem que o tivessem cabalmente compreendido, tantos leigos e clérigos humildes de última fila. Agora eles, por sua vez, estão sós, com seu coração rasgado, sós com seu amor reusado e depreciado, sós com suas lágrimas e orações. Sós com Jesus e sua Santíssima Mãe, no umbral do primeiro dos mistérios dolorosos.

“Que todos aqueles que de um extremo ao outro da Cristandade sobreviveram à prova, que pela graça de Deus suportaram sem ser definitivamente destruídos, que todos aqueles que estão atualmente submersos nela e tateiam no escuro, que todos se unam em oração e no Santo Sacrifício da Missa, todos os que hoje em dia, em Roma, se tornaram alvo, por sua vez, do massacre; alvo desta atroz guerra psicológica de anti-integrismo, que arruína arbitrariamente sua reputação, que rompe ou confunde suas amizades mais antigas, que destroça em suas mãos o bem que poderiam fazer, e que leva suas devastações até o mais íntimo de sua alma. Com eles, por sua intenção, para que se sintam confortados, consolados, fortalecidos, recitemos os mistérios dolorosos do Santíssimo Rosário”.

E nós, por nosso lado, que compreendemos cabalmente toda a dolorosa verdade destas palavras, com íntima adesão às figuras eminentes, aos campeões da fé que atravessam hoje esta prova, para que se possa conhecer melhor a raiz venenosa e profunda, que explica a razão de ser e a íntima coesão de todas essas ideias, atitudes e doutrinas que estão semeando a confusão em nossas filas, recomendamos vivamente os estudos libertadores e esclarecedores do P. García Vieyra e do P. Julio Meinvielle.