terça-feira, 30 de junho de 2015

Ainda sobre a analogia (em resposta a perguntas de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

1) Ainda insisto no tema da analogia porque a leitura de "Ente e Essência", por alguma razão, sempre me impele a isto.

RESPOSTA. Qualquer obra de Santo Tomás nos impele a isto, porque, com efeito, a analogia é central na doutrina tomista. Mas insista-se: Santo Tomás não nos deixou um tratado sistemático sobre a analogia; quem o fez foram diversos tomistas, discrepando não raro uns dos outros; mais ainda, às vezes um mesmo tomista mudou de perspectiva ao longo de seus estudos, como foi o caso de Santiago Ramírez O.P. É deste último, aliás, a obra em que melhor se encontra o estado da questão: a volumosa De analogia secundum doctrinam aristotelico-thomisticam. – De minha parte, repito: quanto à analogia, ainda tenteio, conquanto tenha já algumas hipóteses ou, digamos, “pré-conclusões”, nas quais discrepo de algum modo das soluções que já se deram a esta questão disputada. Não as devo porém antecipar, até porque não sei se de fato as manterei.

2) Na resposta anterior, o senhor expôs os diferentes tipos de analogia nesta ordem: primeiro a "analogia de atribuição intrínseca",  depois a "de atribuição extrínseca", seguida da "de proporcionalidade própria" e por último a "de proporcionalidade imprópria". Essa ordem de exposição não me pareceu aleatória, diga-me se acerto: intuo que a analogia de atribuição intrínseca esteja como que mais próxima da univocidade (embora com ela não se confunda) enquanto que a analogia de proporcionalidade imprópria esteja mais próxima da equivocidade propriamente dita (a propósito, é certo dizer que analogia é espécie de equivocidade na qual existe razão para a utilização do mesmo nome?). Então, naquela exposição, o senhor foi se afastando da univocidade (sem dela partir) rumo a equivocidade (sem nela chegar)? (Não sei se fui claro).

RESPOSTA. Não, a ordem não é aleatória. Está implícita às referidas “pré-conclusões”. Por outro lado, não me parece conveniente sua escala das diferentes espécies ou subespécies de analogia segundo certa proporcionalidade. Com efeito, como dito no curso, é antes de tudo por analogia de atribuição intrínseca que se devem pensar os diversos modos do ente, e, mais ainda, é antes de tudo por ela que melhor conhecemos a Deus. Santo Tomás, partindo da distinção geneticamente aristotélica entre esse ut actus (ser como ato) e essentia ut potentia (essência como potência), chegou, de início ainda com Aristóteles, à analogia de atribuição intrínseca entre os modos secundários ou secundum quid do ente (o ente em potência, o ente como verdadeiro, etc., o ente per accidens, os mesmos acidentes) e o modo principal do ente, ou seja, a substância, e com isso pôde fundar a analogia de mesmo tipo entre os modos criados do ente e o Ato Puro que é Ser – trata-se de sua doutrina da participação. Ora, nada mais perto da equivocidade que a analogia entre Deus e a criatura, e, no entanto, repita-se, trata-se aqui de analogia de atribuição intrínseca. Diz Santo Tomás, em algumas partes de sua obra, não só que entre a univocidade e a equivocidade há a analogia, senão que esta é uma espécie de equivocidade; mas em outras partes pode ler-se que se trata de univocidade imperfeita. Veja-se, aliás, o que diz o P. Calderón em seus Umbrales de la Filosofía: “Os análogos são conceitos de universalidade imperfeita”. E parece-me que tal oscilação tem sua razão de ser: com efeito, dependendo do ângulo que tomemos, havemos de pender para um ou para outro extremo. Quanto ainda à escala exposta por você, talvez se deva conceder apenas que a analogia de proporcionalidade imprópria se aproxima ainda mais ou grandemente da equivocidade. – Insisto porém em que este é assunto em que tão somente tenteio; e em que soluções como a de Mário Ferreira dos Santos,* apesar de atenderem a algo que parece óbvio, são antes simplistas, porque, com efeito, como diz o Padre Penido em sua A Função da Analogia em Teologia Dogmática, a própria analogia é análoga ou analógica.      




* O Brasileiro recorre, para explicar as diversas classes de analogia, à distinção entre razões qualitativas e razões quantitativas.

As espécies e subespécies de analogia (em resposta a pergunta de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


PERGUNTA DO ALUNO

Em várias aulas o senhor faz menção aos tipos de analogia. Quantos são os tipos de analogia, afinal? Apenas dois? Analogia de proporcionalidade e de atribuição? O senhor menciona a analogia por atribuição intrínseca, existe também a extrínseca? Qual a diferença entre elas? Se bem entendi, na analogia de proporcionalidade a distinção existente se dá por razões quantitativas, ao passo que na analogia de atribuição se dá por razões qualitativas, é por aí? 

RESPOSTA DO PROFESSOR

Excelente pergunta; mas não, não é bem por aí (embora alguns, como Mário Ferreira dos Santos, vão exatamente por aí). Expliquemo-lo, mas diga-se, antes de fazê-lo, que este assunto é não só demasiado complexo, senão muitíssimo disputado entre os mesmos tomistas: por exemplo, não concordam inteiramente quanto a isto o Cardeal Caetano, João de Santo Tomás, o Padre Penido e Santiago Ramírez O.P. – e às vezes divergem profundamente. E isso é assim porque S. Tomás tampouco deixou um tratado sistemático sobre a analogia (muito, muito longe disto). Aliás, é precisamente por coisas como esta que ideei este curso, ou seja, para introduzir-me a mim mesmo e a muitos no caminho da sistematização de uma filosofia tomista. E, ainda antes de responder-lhe, devo reconhecer que ainda estou longe de posicionar-me mais definitivamente quanto à analogia. Agora, por partes, conquanto muito brevemente.
1) Antes de tudo, a analogia de atribuição, que se divide em:
a) Analogia de atribuição intrínseca, que se dá quando o significado pelo nome se encontra realmente em todos os sujeitos de que se predica esse nome (ou seja, em todos os analogados), mas de modo desigual por natureza: em um deles (o primeiro analogado) de modo não só principal mas perfeito, e nos outros de modo secundário, imperfeito e derivado. É por este tipo de analogia que conhecemos a Deus na Metafísica ou Teologia Filosófica, como dito em alguma aula do curso.
b) Analogia de atribuição extrínseca, que se dá quando o significado pelo nome se encontra tão somente em um dos sujeitos a que se aplica este nome, isto é, no primeiro analogado, enquanto nos demais analogados, os secundários, não se encontra efetivamente; não se lhes aplica tal nome senão em razão de certas relações que têm com o primeiro analogado. É o caso clássico de são: quem tem saúde, quem é são (ou seja, o primeiro analogado) é o animal, enquanto a urina pode dizer-se sã por indicar a saúde do animal, o remédio, o alimento, as caminhadas por causar a saúde do animal, etc.
2) Depois, a analogia de proporcionalidade, cuja natureza seu nome mesmo já indica: trata-se de proporcionalidade análoga a qualquer proporção matemática, e que se traduz em: A está para B assim como C está para D. Há dois tipos de analogia de proporcionalidade:
a) A analogia de proporcionalidade própria, que se dá quando a relação proporcional significada pelo nome análogo se realiza de modo próprio em ambos os pares de termos: por exemplo, a relação entre os sentidos e as espécies sensíveis é proporcionalmente análoga à que se dá entre o intelecto e as espécies inteligíveis, e em ambos os casos o nome conhecimento se toma em sentido próprio.
b) A analogia de proporcionalidade imprópria, ou seja, a metafórica. Por exemplo, quando falo de “visão” intelectual, não o faço senão por uma analogia de proporcionalidade com a visão corporal; mas neste caso o nome “visão” não se aplica ao intelecto senão de maneira imprópria, donde o nome desta analogia.

Observação final: Além de insistir em que este não passa de um quadro muito esquemático, diga-se que S. Tomás alguma vez fala de três classes de analogia, e não de duas.  

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Matemática e Lógica; etc. (em resposta a perguntas de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

1) Quando se estuda o movimento dos planetas do Sistema Solar, a Física elabora um modelo matemático para descrever tal movimento, a elipse, contudo este modelo contém simplificações, pois a realidade possui sempre mais detalhes do que possamos modelar.  Este modelo é um ente de razão?  Uma vez que não existe na realidade.

RESPOSTA. Não se confundam duas coisas: ente de razão e abstração. É bem verdade que por vezes S. Tomás chama às figuras geométricas e aos números “entes de razão”. Mas é uma maneira de falar, e, quando trata ex professo da matemática, fala dos números e das figuras geométricas como resultantes de determinada maneira de abstrair.
Mas explique-se, antes de tudo, o que é ente de razão. Quanto digo “animal”, “homem”, “pedra”, nomeio definições, que se dão a partir de abstrações de imagens sensíveis. No entanto, tais abstrações (ou espécies inteligíveis), se não existem fora de nossa mente como tais, ou seja, separadas dos entes concretos (como queria Platão), mas nos entes concretos (como o mostra Aristóteles), podem porém ser pensadas como tais. E, como estas espécies estão efetivamente presentes nos entes concretos ao modo de essência, dizemos que os conceitos delas decorrentes têm fundamento próximo in re, na coisa, na realidade. Mas, para que melhor possamos pensar a partir das espécies inteligíveis, criamos a partir destas os entes de razão (“gênero”, “espécie”, etc.), ou seja, entes que não estão presentes nas coisas, ainda que também se criem a partir das espécies inteligíveis abstraídas das coisas. Pois bem, dos entes de razão, que são o sujeito da Lógica, dizemos que têm fundamento remoto in re.
Há todavia três maneiras de abstrair e pois de tratar separadamente coisas que estão presentes nos entes concretos. A primeira é a da Física, cujo sujeito é o ente enquanto móvel. A segunda é a da Matemática, cujo sujeito é o ens quantum, o ente segundo a quantidade. A terceira é a da Metafísica, cujo sujeito é o ente enquanto ente. Mas estas três maneiras de estudar o ente não constituem, como dito, entes de razão, que são de segunda intenção (com fundamento remoto in re), senão que constituem conceitos quiditativos, que são de primeira intenção (com fundamento próximo in re). Com isto, porém, ainda não dizemos como se abstraem, particularmente, as espécies matemáticas. Sigamos, para sabê-lo, o pensamento de S. Tomás (Suma Teológica, I, q. 85, a. 1, ad 2):

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Matéria e forma na Lógica; uma crítica a João de Santo Tomás; etc. (em resposta a perguntas de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

1) Na aula 13 (quando se fala das artes servis) é dito que duas coisas estão supostas para a existência da arte: matéria e forma; quero saber se entendi bem o que se disse. A arte precisa de uma matéria e de uma forma análogas ao binômio matéria/forma - sobre o qual o curso ainda vai falar - mas não idênticas; é uma analogia entre tal binômio e entre a matéria e a forma de que as artes necessitam. E só compreenderemos perfeitamente essa analogia quando um dia estudarmos em profundidade o assunto. É assim que devo entender? 

RESPOSTA. Sim, exatamente isto. Mas basta compreender o que é matéria e forma para entender o que se diz analogicamente a elas.

1a) Quando Aristóteles fala do silogismo nos Analíticos, diz que o mesmo tem uma matéria já informada e uma figura (se entendi bem), está se falando de outra coisa que não a matéria e a forma da arte Lógica? Posso dizer que a Lógica dá figura de silogismo a uma matéria já informada (as enunciações, ou as próprias palavras)? E que, por exemplo, na marcenaria, dá-se figura de mesa à madeira, que também é matéria já informada(forma de madeira)? Acrescenta-se a tudo isso o fim; a arte busca atingir um fim com ordem, simplicidade e sem erro. Como relaciono estas coisas?

RESPOSTA. Estendamos bem o que se diz na aula. Antes de tudo, diga-se que minha crítica se volta para as teses de João de Santo Tomás na Lógica, as quais tanto influíram em toda (ou quase toda) a chamada neoescolástica. O famoso escolástico define a Lógica pela matéria e pelo fim. Ao fazê-lo, porém, dá como o próprio ou formal da razão a resolutio, que não é o próprio da razão senão na terceira operação. Mas em nossas aulas dei como o próprio ou formal da razão a universalidade, lembra-se? Pois bem, tal posição de João de Santo Tomás traz consequências sérias e, digo, equivocadas: a) antes de tudo, a casa está para a Arquitetura, isto é, como seu sujeito, assim como o raciocínio (a terceira operação) estaria para a Lógica. Todo o relativo à primeira e à segunda operação estaria para a Lógica assim como os tijolos estão para a Arquitetura, ou seja, como partes para o todo ou a matéria para a forma. E, assim como o arquiteto trata dos tijolos mas não principalmente, assim também o lógico com respeito às duas primeiras operações. Mas, segundo o que sustento, o próprio ou formal do que trata o lógico são as regras da universalidade, que têm que ver igualmente com todas as operações, razão por que as definições, as proposições e os silogismos estão na Lógica em igualdade de condições; b) por identificar o sujeito da Lógica com a resolutio, João de Santo Tomás acaba por identificar a distinção entre a matéria e a forma na Lógica (distinção necessária para a correta e completa definição desta arte) com a distinção que faz Aristóteles na consideração da análise, ou seja, no âmbito tão somente da terceira operação. Diz com efeito o Estagirita que, no âmbito dos Analíticos Anteriores, se deve considerar a forma do silogismo, e nos Analíticos Posteriores sua matéria. Mas o que ele chama forma aqui é apenas a figura do silogismo, assim como se chama forma à figura, por exemplo, do tigre (mas sua forma mais propriamente dita é sua alma). Pois bem, tal tese de João de Santo Tomás facilitou o mesmo nominalismo que ela buscava combater. E, para resumir o que sustento acerca deste assunto, diga-se que as três operações são a matéria da Lógica, enquanto sua razão formal são as regras da universalidade. – Quanto à marcenaria, a matéria é algo que já tem quididade, enquanto a forma que esta arte imprime àquela matéria é acidental, é uma forma acidental; e a quididade, por exemplo, de uma mesa só existe na mente do marceneiro e do usuário da mesa.       

1b) A forma de uma arte não se trata nem da forma do binômio matéria/forma, nem de figura? Algo que me instiga a fazer essa pergunta é o documento "Dúvidas Turma 2 - 21 - Ainda o Direito", lá é dito que o direito não tem forma, apenas matéria e fim, e que ele dá forma(me parece que essa forma tem sentido de figura) de lei aos costumes dos cidadãos. Na mesma aula 13, eu entendi que o caráter moldável da matéria e a diferença entre a figura e a forma da matéria eram importantes; fico enfim com a impressão de que a forma de uma arte é o fim que está na mente do artista.

Se se pode provar a existência de Deus de modo diferente do de Santo Tomás; Leibniz versus S. Tomás; etc (em resposta a objeções de aluno do curso A Existência de Deus e a Criação do Mundo – segundo Santo Tomás)


RESPOSTAS DO PROFESSOR
NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

NOTA PRÉVIA. Considerando que os argumentos apresentados pelo aluno são objeções ao que se diz no corpus dos artigos de Santo Tomás dos quais nos ocupamos no curso, e que, naturalmente, o defendo, por isso mesmo é que responderei a eles como responde Tomás às objeções, ou seja, nos ads. Entenda-se: de forma a mais concisa possível, isto é, sem deixar de responder de fato, mas levando em conta que a resposta magistral já foi dada no referido corpus. – Ademais, o escrito pelo aluno estará em outra cor que o escrito por mim, para facilitar a distinção. – Lembre-se, por fim, que nenhuma disputa pode travar-se indefinidamente. Postas as objeções, e dadas as respostas, ponto final, ainda que a parte objetora não venha a assentir a tais respostas.

Em primeiro lugar, não sei se é absolutamente relacionado ao curso, apesar de estar no primeiro artigo da segunda questão da suma. A minha pergunta é se de fato é evidente que o que é imaterial não ocupa lugar. E isto se pode discutir assim:
Parece que pode haver algo de imaterial que ocupe lugar.

RESPOSTA. Nada de imaterial pode ocupar lugar, o que é doutrina certa, aliás, não só em Tomás, mas ainda em Sócrates, em Platão, em Aristóteles. E isto é assim porque o lugar, como o tempo, é próprio dos corpos. O ente corpóreo sempre ocupará espaço, ainda que fosse o ente esferiforme perfeito e imóvel de Parmênides ou o corpo infinito e imóvel defendido por hipótese pelo tomista Alamano. Como o imaterial não é corpo, então tampouco será espacial. 

Pois a matéria é o substrato que perdura durante certo movimento, e assim não há matéria sem movimento. Ora, o que ocupa lugar tem figura, mas não necessariamente tudo que tem figura tem de ser móvel, uma vez que se possa imaginar uma figura esférica imaterial que existisse desde sempre. Logo é possível que um ente ocupe lugar sendo imaterial.

RESPOSTA. A objeção supõe que para ser corpo é preciso ser móvel. Acabo de mostrar que não era assim para Parmênides, nem para a hipótese de Alamano. Mas voltarei a isto.

Nem a isto se pode objetar que Santo Tomás tenha corrigido Platão quanto a existência de figuras imateriais eternas, pois por mais que não existam por si mesmas, ainda assim parece não repugnar à razão que Deus tivesse criado algumas por meio da Idéia da figura na sua mente.

RESPOSTA. Há aqui certas confusões. Todas as ideias são eternas em Deus, tanto as necessárias como as contingentes ou as meramente possíveis. Como Deus é a própria eternidade, nada nele pode deixar de ser eterno. – Ademais, nada do que não é corpo pode ter figura, ou melhor, configuração externa. Pela mesma razão por que os entes imateriais não são espaciais, assim tampouco têm configuração externa. (Figura diz-se antes para a configuração dos produtos artificiais: uma cadeira, uma estátua, uma peça musical, etc.)

Nem parece ser possível objetar também que Deus poderia criar vários entes figurados diferentes em vários lugares diferentes e, devido a isto, estes possuiriam acidentes. Pois mesmo que possuíssem acidentes, não segue que, uma vez que existam, possam perder seus acidentes e adquirir outros, pois se Deus cria algo desde sempre, ainda que pudesse ter criado de outro modo, o que existe desde sempre não pode algum dia se mover, logo nem estes entes figurados. Muito embora ainda se pudesse dizer que por serem compostos de essência e acidentes, seriam compostos também de matéria e forma essencial, porém “matéria” neste sentido não se pode entender no mesmo sentido em que se fala dos corpos, nos quais a matéria é móvel.

RESPOSTA. Outra vez, algumas confusões. Antes de tudo, acidentes têm-nos todas as criaturas: tanto as corpóreas como as incorpóreas, como os anjos e a alma humana. Só Deus é ato puro e, portanto, destituído de acidentes. Todos os entes criados são compostos, ademais, de essência e de ato de ser (participado por Deus). Só a essência de Deus é Ser, enquanto as criaturas têm ser. Ademais, não há algo como “forma essencial”; há a forma substancial, que todos os entes têm, sejam os imateriais, sejam os materiais: com a diferença de que os anjos são formas puras ou substâncias separadas. Por fim, se deixarmos de lado a tese de Parmênides e a hipótese de Alamano, todos os entes corpóreos têm, sim, movimento; e lembre-se que há quatro espécies de movimento: segundo o lugar, segundo a alteração, segundo a quantidade (aumento e diminuição), e segundo a geração e a corrupção. (Não repugna à razão que os astros não sofressem corrupção, como afirmavam Aristóteles, S. Tomás e todos os clássicos e medievais. Mas esta tese caducou já há muito tempo.)

Em suma, o que se move quanto à moção local ou aumento e diminuição deve ser figurado, mas nem tudo quanto é figurado deve ser móvel. Por onde nem material, ao menos no sentido em que se disse.

RESPOSTA. Como já disse, há a hipótese (do tomista Alamano) de um corpo imóvel, o que se pode perfeitamente disputar. – Mas parece que a objeção insiste em que algo imaterial pode ser “figurado”. Não o pode, se se entende por isso a configuração externa. Ademais, que Deus “figure” a ideia de um ente imaterial não quer dizer, de modo algum, que este tenha figura.

Em segundo lugar, apesar de a existência de Deus não ser por si mesmo conhecida, parece que se pode prova-lá sem que seja a partir dos efeitos de Deus no mundo:

RESPOSTA. A existência de Deus é maximamente cognoscível de si, como dito na Suma e em uma aula nossa, ainda que não seja evidente quoad nos, para nós, assim como o sol é maximamente visível e, no entanto, nem os morcegos nem as corujas o podem ver. Por isso, se não é evidente para nós, tal se deve a defeito ou limitação do intelecto humano. Para os anjos, a existência de Deus é evidente. – Mas a essência de Deus, ainda que maximamente cognoscível de si, não pode ser conhecida por nenhuma criatura: nem pelos anjos. Tal só é possível por um milagre: a chamada deiformação dos anjos e da alma humana. Mas este é assunto antes da Teologia Sagrada.

1. Pois, como diz Santo Tomás, ao não conhecermos a quididade de Deus, temos que tomar como termo médio da demonstração o significado do termo. Mas pelo nome de Deus se intelige o Ente necessário por si mesmo, cujo ser se identifica com a essência, segundo aquilo da escritura: “Deus respondeu a Moisés: “EU SOU AQUELE QUE SOU.”(Ex 3,14). Ora, não se pode negar a existência do ente necessário, pois se se afirma que o ente necessário não existe, afirma-se a necessidade de que o ente necessário não exista, e desta necessidade advém um ente necessário por si mesmo, pois não é possível que da verdade necessária por si mesma não siga o ente necessário por si mesmo, uma vez que a verdade deve seguir o ser das coisas. Mas nem é o caso que esta demonstração necessite da experiência; logo, se pode provar a existência de Deus sem partir do efeito.

Questões filosófico-gramaticais (em resposta a perguntas de aluno do curso Para Bem Escrever na Língua Portuguesa)


 RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

Minhas expectativas do curso são enormes, se dá o mesmo com respeito a tua "Suma Gramatical": são tantas e tão profundas minhas interrogações sobre esse assunto e correlatos que mal consigo esperar para ter um exemplar em minhas mãos! Sei bem que tais perguntas encontrarão resposta após muitas meditações de minha parte e acredito que a leitura de tua "Suma" poderá me ajudar nesse intento, mas não me contendo (e sabendo que o curso tem caráter antes normativo) decidi formular algumas perguntas teóricas que me inquietam atualmente. Ei-las:
1) É correto dizer que em ciência a divisão se ordena à definição? Se dá o mesmo com a arte? (ou nesta ocorre o contrário: a definição precede a divisão?)

RESPOSTA. Como há de compreender, às perguntas mais filosóficas, ou seja, não diretamente atinentes ao conteúdo de um curso de gramática, não posso responder senão mais sumariamente. Pois bem, a divisão precede à definição e ordena-se a ela. 

2) Se defino palavra como "voz ou som vocal significativo ou que significa", posso dizer que "voz" faz as vezes de matéria e "significativo" de forma?

RESPOSTA. Aqui, já estamos no terreno do filosófico ordenado ao gramatical. Sim, a voz está para o significado da palavra assim como a matéria está para a forma.

3) Se assim é, o que devo considerar como forma, o significado ou o ato de significar? (penso que o significado não inere na voz, mas está relacionado com a figura da voz no intelecto, poderia então o significado ser considerado forma da voz mesmo sem nela inerir, se sim de que maneira?)

RESPOSTA. Antes de tudo, quando no âmbito da Gramática se fala de matéria e de forma, fala-se analogicamente. Depois, analogicamente falando, o significado é que é a forma, enquanto o ato de significar é a ação de significar. – Deixando de parte o tema da inerência (porque, com efeito, repita-se, falamos aqui de matéria e de forma tão só analogicamente), há antes de tudo a palavra cordial (ou seja, a concepção mental); depois a palavra mental, que é o protótipo mental da palavra vocal (que é signo daquela concepção); e, por fim, a palavra escrita (que por sua vez é signo da palavra vocal, ou seja, signo de signo). – A palavra cordial não é palavra propriamente dita: como dito, é a concepção mental de que a palavra é signo.

4) A figura da palavra pode ser dita forma? (penso que se diz forma enquanto ato de uma potencia e figura enquanto categoria do ente: espécie de qualidade).

Ainda ser versus existência; as imagens sensíveis e a conversio ad phantasmata; etc. (em resposta a perguntas de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

1) Vamos ver se entendi agora [a complexa questão “ser” versus “existência”]. A existência é o ser enquanto predicado a algo; nesse sentido, e apenas nesse, pode ser dito o “ser que se encontra no juízo”. Quando digo, por exemplo, “meu cachorro é”, esse “ser” que lhe predico é sua existência (é o que responde à questão an sit). Essa existência eu a toco com os dedos – é concreta – e posso distingui-la apenas gnosiologicamente (e não in re) da essência do ente, porque quando abstraio a essência “cachorro” a separo (abstrativamente, e apenas assim) da existência sensível do animal. De outro modo: a existência do cão está nele realmente – vem dele, por assim dizer; não lhe é, como supunha Platão, extrínseca.

RESPOSTA. Creio que está tudo perfeito, com talvez esta ressalva: salvo engano, em Platão não está claro se a existência é uma ideia, à parte.

2) Já o esse é o ser enquanto ato de ser que, participado ao ente, é a causa da sua existência. Ele é distinguível in re (e não apenas abstrativamente) da essência, porque é aquilo que, vindo de fora, por assim dizer – ou participado “desde fora”, por Deus mesmo, ao ente – atua a essência do ente e lhe dá existência.

RESPOSTA. Sim.

3) Em suma: o esse está para a existência como a causa está para o efeito.

RESPOSTA. Pode dizer-se assim, de fato. Nada além de Deus seria existente, teria existência, sem que Deus lhe participasse ou lhe tivesse participado o ser ou ato de ser.

4) Disso se segue que, propriamente, diz-se “existente” – ou seja, predica-se o ser – daquilo que é em ato, embora o que é em potência possa ser dito existente imperfeitamente, como explica Santo Tomás no trecho que o senhor garimpou.

RESPOSTA. Perfeito. Digo apenas que não o garimpei, senão que o encontrei sem querer em meu estudo do tratado dos anjos na Suma. Transcrevo-o para os demais alunos:
“Ad primum ergo dicendum quod motus ibi non sumitur secundum quod est actus imperfecti, idest existentis in potentia; sed secundum quod est actus perfercti, idest existentis in actu. Sic enim intelligere et sentire dicuntur motus, ut dicitur in II de Anima” (Quanto ao primeiro argumento, deve dizer-se que aí não se toma movimento considerado como ato do imperfeito, isto é, do existente em potência; mas enquanto é ato do perfeito, isto é, do existente em ato. Assim é que o inteligir e o sentir são ditos movimento, como se diz no livro III de Anima) [S. Th., I, q. 58, a. 1, ad 1].

5) Se tudo isso confere, resta-me apenas uma dúvida quanto ao seguinte trecho do Pe. Calderón: “para confirmar a existência das essências abstratas, o intelecto deve voltar aos fantasmas”.

Palavras do Padre Álvaro Calderón sobre a questão “ser” versus “existência”


“A distinção que aqui se faz entre essência e existência dará lugar, na investigação metafísica, à distinção entre essência e ato de ser, mas está muito longe de identificar-se com ela. A primeira é uma distinção de razão com fundamento real, evidente quoad omnes, enquanto a segunda é uma distinção real, evidente só quoad sapientíssimos. A distinção lógica entre essência e existência faz-se necessária porque a abstração fica com a essência das coisas e deixa de lado sua existência concreta, perceptível somente pelos sentidos. Para confirmar a existência das essências abstratas, o intelecto deve voltar aos fantasmas. Alguns escolásticos identificam as duas distinções, para poupar-se explicações, e desvirtuam o actus essendi tomista” (Umbrales de la Filosofía, Mendoza, edição do autor, 2011, p. 358, nota 2).     

Ser, Existência, Essência, Substância; texto de Cornelio Fabro (em resposta a perguntas de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

I) Primeiramente, eu preciso confessar que ainda não compreendi de todo, esta distinção entre essência-ser (real) e entre essência-existir (de razão), digo isso, pois as perguntas podem ser irrelevantes.

RESPOSTA. Não, não são irrelevantes. Se o fossem, tantos tomistas (muitos deles grandes) não teriam desatendido a tais distinções.

II) Estou estudando estas distinções dentro do documento 31, aliás muito bem redigido pelo colega do curso.

Bem, vamos a elas:

1. Não há gradações da existência, ou algo existe ou não. Poderia haver, no entanto, modos?  O existir da essência do cão e da esfinge é "igual e indistintamente" o mesmo?  O fato de um existir somente em minha mente e outro na realidade, não distingue a existência de ambos?

quinta-feira, 25 de junho de 2015

A Separatio tomista; quem é o maior tomista do século XX-XXI; etc. (em resposta a perguntas de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

1) Estou lendo o livro La nozione metafísica di partecipazione secondo S. Tommaso d”Aquino de Cornelio Fabro – aliás, que maravilha é o Fabro; pode-se dizer que é o maior tomista do século XX-XXI? – e surgiu-me uma dúvida.

RESPOSTA. Antes de tudo, meus parabéns pela importante leitura. Quanto a quem é o maior tomista do século XX-XXI, depende do ângulo. Se se trata da amplitude da obra e de sua profundidade, é talvez Jacques Maritan. Se se trata do resgate da noção de ser como ato de ser, o posto cabe a Fabro. Se se trata do resgate mais abrangente do espírito do tomismo, temos o P. Álvaro Calderón. Mas avancemos no assunto. Jacques Maritain, espírito profundo, capaz de voos próprios, foi porém – ou em parte por causa disso mesmo – o maior dos desvirtuadores da doutrina do Mestre. O Padre Fabro, por seu lado, não só se deixou levar por demasiado ecletismo, o que por fim o fez incorrer em algo perfeitamente antitomista: a hipertrofia da vontade em detrimento do intelecto; mas ainda incorreu em demasiada rigidez terminológica: assim, por exemplo, é falso dizer com Fabro que para S. Tomás, a partir do Comentário ao Liber de Causis, a dialética do ser passou a dar-se “tão somente” entre o esse per essentiam e o ens per participationem, ou seja, teria S. Tomás deixado de chamar ente a Deus. Com efeito, tal não é fato: abunda na Suma Teológica, por exemplo, o chamar a Deus ente primeiro, etc. Sucede apenas que o ente primeiro “é o mesmo Ser” enquanto os demais entes “têm ser”, razão por que ainda se está no campo da analogia. Mas Fabro, com sua rigidez, quer equivocadamente dar a ambos os termos a fixidez da univocidade. Ademais, insista-se em seu ecletismo nefasto: aproximar de qualquer modo a doutrina tomista do esse da Diremtion hegeliana é quase anular o valor que a obra do Italiano possa ter. Por fim, estou grandemente de acordo com a obra do Padre Calderón em seu resgate do autêntico tomismo, embora aqui e ali tenha divergências com ela, uma das quais expressei (sem citar o Padre) em certa aula do final do curso e no texto As duas primeiras operações do intelecto: uma crítica a Maritain e a outros tomistas. Mas sem dúvida alguma devemos esperar muito de seus prometidos três tratados (um de Lógica, um de Física e um de Metafísica); suas introduções (em Umbrales de la Filosofía) já são um manancial de que muito hauri e hauro. Segue sendo, para mim, não só o maior tomista vivo, mas o maior desde há muito tempo; um verdadeiro mestre-auxiliar de Santo Tomás. Digo-o desconsiderando quaisquer possíveis discrepâncias em outros campos, não estritamente científicos. 
 
2) No início da Parte II do livro, que me parece a parte central da obra, Fabro observa algo que o senhor também havia dito no curso: as três partes em que Santo Tomás (seguindo Aristóteles) divide as ciências especulativas – a saber, Metafísica, Matemática e Física – não são fruto de  “três graus de abstração”, como a tradição tomista insistiu em dizer, mas sim de processos abstrativos diferentes (p. 134), embora as referidas ciências, como diz o Aquinate no Comentário ao De Trinitate, de fato se distingam “secundum ordinem remotionis a materia et motu” (q. 5, a. 1).

RESPOSTA. Não compreendi bem seu “embora”. O que se há de discutir em Santo Tomás é a noção de separatio, como você mesmo dirá a seguir. Mas Fabro está corretíssimo, em princípio, em sua crítica da escada quantitativa ou gradativa da abstração científica.

3) A rigor, Santo Tomás distingue dois tipos de “isolamento nocional ou abstração”: a abstração formal, própria da Matemática, e abstração total, própria da Física e das ciências em geral (já que as ciências só estudam o universal). Como Fabro observa, o processo pelo qual a Metafísica chega a seu termine, que é o ato de ser, não é chamado por Santo Tomás propriamente de abstração, mas de “separatio”. Fabro, porém, por razões ao que me parece didáticas, propõem chamá-lo de “abstração intensiva”, “in opposizione a quella totale, estensiva, in quanto che la ragione (di essere) a cui si arriva nulla lascia perdere delle perfezioni positive degli inferiori, ma tende a vederle unificate tutte quante” (p. 141).

Ente; essência; termo médio (em resposta a perguntas de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

Professor, comecei a ler algumas das obras indicadas (Analíticos Posteriores II é bem difícil) nas bibliografias e senti a necessidade de fazer algumas perguntas a fim de saber se estou raciocinando corretamente ou não a respeito do conteúdo dado. Também gostaria de perguntar como o ambiente filosófico contemporâneo lida com as matérias que foram tratadas nas aulas até aqui.

RESPOSTA. Eu talvez não tenha sido suficientemente claro. Não lhes recomendei que lessem agora as obras indicadas, até porque o curso visa precisamente a dar-lhes o instrumental necessário para lê-las. As obras indicadas devem ser lidas ao fim do curso. E ainda assim cuidado, porque, como digo abundantemente ao longo das aulas, não se devem ler muitas obras de Aristóteles diretamente, sobretudo as mais obscuras (e os Analíticos Posteriores talvez sejam a mais obscura), senão que se devem ler os Comentários de S. Tomás a elas. O gênio do Aquinate foi capaz de desentranhar o sentido do conjunto da obra do Estagirita, a qual nos chegou em textos muitas vezes enigmáticos, lacunares, elípticos.

1)      Pela aula 3 cheguei à conclusão de que o ente é aquilo que é ou que tem ser, conforme foi dito, e de que a essência é aquilo que me permite definir o que é este ou aquele ente em particular. Por exemplo: O que é este ente chamado homem? Está correto tal raciocínio? 

A Posse da Verdade (em resposta a pergunta de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


PERGUNTA DO ALUNO

A respeito da aula 08, e para checar se bem entendi: é correto dizer que a verdade se divide em 3 classes, segundo aquilo sobre o qual trata? As que versam sobre a essência serão verdades essenciais e necessárias, as que versam sobre propriedades (acidentes-próprios) serão acidentais e necessárias e as que versam sobre acidentes serão propriamente acidentais e contingentes (não necessárias), é isso? A primeira classe de verdade é acerca da quididade de algo, a segunda decorre da quididade de algo e a terceira independe da quididade e não a afeta. Resumo adequadamente? Ainda quanto a aula 8, o Sr. disse algo como: “dizer algo com verdade é distinto de estar de posse da verdade”. Por acaso “dizer algo com verdade” significa que o que se diz corresponde ao que se pensa, enquanto que "estar de posse da verdade" significa que há correspondência entre intelecto e a coisa? O primeiro é uma relação entre intelecto e discurso, o segundo entre intelecto e realidade? É essa a distinção?

RESPOSTA DO PROFESSOR

As intenções primeiras e as intenções segundas do intelecto, por Santo Tomás


«O conceito mesmo do intelecto», diz S. Tomás (no Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo I, dist. II, q. 1, a. 3), «tem-se de três maneiras com respeito à coisa que existe fora da alma:
Pois às vezes aquilo que o intelecto concebe é uma semelhança da coisa que existe fora da alma, como o que se concebe do nome “homem”; e tal conceito do intelecto tem fundamento na coisa imediatamente, enquanto a coisa mesma, por sua conformidade com o intelecto, faz que o intelecto seja verdadeiro, e que o nome que significa tal intelecção se diga propriamente da coisa [trata-se da intenção ontológica].
Às vezes, todavia, o que o nome significa não é uma semelhança da coisa que existe fora da alma, senão que é algo que se segue do modo de entender a coisa que está fora da alma: tais são as intenções [segundas, lógicas] que nosso intelecto inventa, assim como o significado pelo nome “gênero” não é semelhança de nenhuma coisa existente fora da alma, senão que, porque o intelecto entende “animal” como dando-se em muitas espécies, lhe atribui a intenção de gênero; e, embora o fundamento próximo destas intenções não esteja na coisa, mas no intelecto, tem todavia fundamento remoto na coisa mesma. Daí que o intelecto que inventa estas intenções não seja falso. E algo semelhante se passa com todas as outras intenções que se seguem do modo de entender, como a abstração dos entes matemáticos e outros que tais.
Outras vezes, por fim, o que é significado pelo nome não tem nenhum fundamento na coisa, nem próximo nem remoto, tal como o conceito de “quimera”, porque nem é semelhança de nenhuma coisa fora da alma, nem se segue do modo de entender alguma coisa da natureza; e este conceito, portanto, é falso.»    

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Se incorre Sto. Tomás em scotismo (em resposta a pergunta de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


PERGUNTA DO ALUNO

O senhor recomendou que não lêssemos o De Principiis Naturae agora. Pois bem, eu não resisti. Por isso a pergunta:
S. Tomás - caput 3, no final - citando o livro da Metafísica de Aristóteles diz que "elementum est id ex quo componitur res primo, est in ea, et non dividitur secundum formam.
Ao explicar esta última característica ele diz:
"Tertia particula, scilicet et non dividitur secundum formam, ponitur ad differentiam eorum quae habent partes diversas in forma, idest in specie, sicut manus, cuius partes sunt caro et ossa, quae differunt secundum speciem. Sed elementum non dividitur secundum speciem, sicut aqua, cuius quaelibet pars est aqua."
A definição de elemento eu entendi. Só não entendi o que está destacado. Parece que a carne e os ossos diferem segundo a espécie e portanto têm cada um a sua forma. Assim, os entes naturais teriam além de sua forma substancial uma pluralidade de formas acidentais - a forma da mão, do pé, do olho etc.?


RESPOSTA DO PROFESSOR