quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

“Sedevacantismo, um convite à perdição” (republicação revista)

                                                                                                                         Carlos Nougué 

O que diz o título deste escrito não supõe um argumento ad hominem; não visa a desqualificar uma doutrina adversária sem prova, nem requer do leitor um ato de fé. Absolutamente não é isto. É que, para fazer boa teologia – coisa de que estão muito distantes os sedevacantistas –, há que obedecer a um critério fundamental: a analogia da fé. E não se diga que tal analogia, brandida por Leão XIII na Providentissimus Deus, se aplica tão somente à interpretação das Sagradas Escrituras. Não: aplica-se igualmente ao magistério autêntico da Igreja e, quanto ao que nos interessa, a toda a teologia com respeito ao mesmo magistério. Que porém quer dizer aplicar a analogia da fé? Simplesmente isto, se se trata da teologia com respeito ao magistério da Igreja: não se há de defender nada que contrarie o já definido (e definição supõe infalibilidade) pelo mesmo magistério. Um exemplo: se alguém quer sustentar que o mundo durará mil anos após a morte do Anticristo – o que considero ao menos improbabilíssimo –, que o faça, mas sem ferir de modo algum o já definido pelo magistério: quem até o fim dos tempos reinará imediatamente na terra será sempre o vigário de Cristo, nunca diretamente Cristo mesmo, nem o Espírito Santo, nem Maria. Tampouco haverá de negar que o Demônio continuará durante tais mil anos – se os houver – a ser de algum modo o príncipe deste mundo, nem que os homens, incluindo os batizados, continuarão a padecer as sequelas do pecado original: fazê-lo é, uma vez mais, ir contra o definido pelo magistério da Igreja ao longo do tempo.

Pois bem, o Concílio Vaticano II e o chamado magistério conciliar (e pós-conciliar) trazem-nos um problema teológico novo, obviamente nunca tratado pelo magistério autêntico da Igreja: no e após o CVII, o magistério da Igreja depôs sua autoridade doutrinal em favor de uma soi-disant autoridade do conjunto do Povo de Deus enquanto tal, o qual seria dotado de um suposto sensus fidei infalível por si. Diante de tal e tão terrível novidade, portanto, é legítimo que se dispute em torno de sua solução. Mas, pela analogia da fé, toda solução quanto a esta questão que contrarie algo definido pelo magistério da Igreja será não só errada mas ilegítima. É o caso do sedevacantismo.

Com efeito, definiu o Concílio Vaticano I (D 1825): “Cânon. Se alguém, pois, disser que não é de instituição de Cristo mesmo, isto é, de direito divino, que o bem-aventurado Pedro tenha perpétuos sucessores no primado sobre a Igreja universal [...], seja anátema”. Os sedevacantistas tentam enganar-se a si mesmos e aos outros pondo que “perpétuos” não quer dizer “(papas) ininterruptos”, senão que neste cânon só se quis dizer que “o papado será perpétuo”. Sofisma e novilíngua de quinta categoria, claro. Definiu mais, todavia, o Concílio Vaticano I: “A perenidade da Hierarquia definiu-a implicitamente o Concílio Vaticano [I]. Com efeito, definiu explicitamente a perenidade do Primado (D 1824s). É assim que também definiu que é próprio do Primado ter subordinados a si e governar os Pastores ou Bispos da Igreja universal (D 1827-1831); logo, sempre haverá Pastores ou Bispos subordinados ao Primado. Isto mesmo é ensinado explicitamente na introdução à Constituição da Igreja (D 1821)” (P. J. Salaverri S. J., Sacrae Theologiae Summa [dos Padres da Companhia de Jesus, 4.ª ed., Madrid, B.A.C., 1962], trat. III, “De la Iglesia de Jesucristo”, n. 294.). [Quanto, ademais, à perenidade da Igreja, define-a o Vaticano I explicitamente mas indiretamente (D 1821-1824; cf. P. J. Salaverri S. J., ibidem).] Se é assim, por conseguinte, incorrem em anátema os sedevacantistas; e pô-lo supõe aplicar ao caso vertente a analogia da fé.

Se pois tivermos qualquer dúvida quanto à solução que se dê à questão gravíssima suscitada pelo magistério vaticano-segundo, não podemos porém de modo algum resolvê-la rompendo a analogia da fé. E é segundo esta analogia que respondo a seguir às dúvidas que me enviou um aluno.

1) “Diz Calderón que o CVII influi até mesmo no código de Direito Canônico. Mas se é assim, e tendo em vista as mudanças que foram feitas sob Paulo VI (Romano Pontifice Elegendo) e João Paulo II (Universi Domini Gregis), mudanças que, se Calderón estiver certo, foram feitas sem autoridade magisterial, se pois é assim, creio que é possível concluir que sua promulgação e sua execução sejam ilícitas. Mas, se tal o são, deveríamos concluir, como os sedevacantistas, que já não há eleição de cardeais, e, então, de papas e enfim de presbíteros?”

RESPOSTA. Veja-se que a própria pergunta já é inadequada, porque supõe possível uma negação de algo definido pelo magistério. A resposta à questão, portanto, há de ser outra.

a) Que o magistério conciliar e pois o CVII sejam ilegítimos, não o podemos decretar nós. Só um Papa ou um concílio sob um Papa. Os sedevacantistas, ao decretá-lo, caem sob outro anátema implicado por outra definição: a de que ninguém pode depor um papa (nem de fato, nem de direito). Mas não disse o Papa Adriano II numa carta incluída na Ação VII do VIII Concílio Ecumênico “que o Romano Pontífice sempre julgou as cabeças de todas as igrejas; mas não vemos em parte alguma que quem quer que seja o tenha julgado a ele. No entanto, é verdade que [o Papa] Honório [I], após sua morte, foi vergastado com o anátema pelos orientais. É necessário todavia não esquecer que ele foi acusado de heresia e que este é o único crime que torna legítima a resistência dos inferiores aos superiores, bem como a rejeição de suas perniciosas doutrinas”? Disse-o, mas disse também que Honório I foi anatematizado pelos orientais num concílio (o VI Ecumênico), com a aprovação de um Papa (São Leão II), e após a morte do Papa vergastado. Mas os sedevacantistas, sem ser padres conciliares e sem a aprovação de nenhum Papa, decretam que nada menos seis Papas não o são!... Ou seja: acrescentam ao anátema uma presunção sem tamanho.

b) Depois, na Candeia Calderón diz exatamente (contra os sedevacantistas da tese de Cassiciacum) o contrário do posto pela pergunta: as mudanças nas regras da eleição papal feitas pelo magistério conciliar são perfeitamente legítimas. Por quê? Porque tais regras, digo-o eu, não fazem parte do poder autoritativo (de autoridade doutrinal) do magistério (nem de seu objeto primário nem de seu objeto secundário, os quais são os que, ainda que de diferente modo, podem dizer-se infalíveis, ou certos, ou prováveis). Fazem parte do poder governativo (ou seja, aquele meramente de ordem prática e prudencial) do magistério (como também fazem parte deste poder atos como, por exemplo, indicar bispos para esta ou aquela diocese, ou fechar igrejas durante uma pandemia). Por si, isto é a única coisa que não implicaria que o Magistério conciliar (com maiúscula porque agora se trata do sujeito do magistério) tivesse jurisdição precária, ou seja, merecesse não sê-lo por seus desvios da fé (cf. meu Do Papa Herético, p. 286-288, salvo engano). Reproduzo-o: “Como Caetano, João de Santo Tomás, os Carmelitas de Salamanca, Billuart, Afonso Maria de Ligório e tantos outros, pôde dizer Báñez que, ‘como a noção de membro [da igreja] é empregada metaforicamente, dissemos mais acima que pode haver vários ângulos da metáfora: segundo um ângulo [ou seja, a influência espiritual recebida de Cristo, segundo a própria terminologia de Báñez] o pontífice [a fide devius, desviado da fé] não é membro de Cristo ou da Igreja, e segundo outro [o poder de governar] é membro seu’.[...] Para entendê-lo, recorra-se a uma analogia. Como dizia Pio XII, um assassino já perdeu por seu mesmo ato o direito à vida e à cidadania. Mas, digo, é preciso que o estado o julgue, lhe retire a cidadania e o condene à morte. Enquanto ou se não o faz, tal assassino continua com a vida e a cidadania, ainda que só de certo modo, ou seja, em estado precário. Pois é, analogamente, o que nos parece se passa com o papa a fide devius: já deixou ipso facto de ser membro de Cristo e da Igreja; mas ainda preserva a jurisdição, ainda que tão só por falta do devido juízo: mantém-se papa, portanto, com jurisdição precária.[...] – Pode-se recorrer ainda a uma analogia com a potestade civil, como o faz, aliás, o mesmo Domingo Báñez.[...] Com efeito, um governo civil pode dizer-se tirânico se não se funda na verdade, razão por que só secundum quid mantém a autoridade e a jurisdição: ou seja, só enquanto não é deposto. Enquanto todavia não é deposto, segue sendo, de modo precário, o governo da nação. Pois bem, dá-se o mesmo, mutatis mutandis, com a cabeça visível da Igreja que tenha incorrido em heresia: está ipso facto excomungada, mas mantém precariamente a jurisdição.[...] E não é essencialmente outra coisa o que se dá com todos os demais clérigos que se tenham desviado da fé: enquanto não são admoestados duas vezes e julgados [declaratoriamente], mantêm precariamente a jurisdição”. Mas, para que mantenha a jurisdição ainda que precariamente, é preciso que formalmente possam ser válidos os atos de seu poder governativo. Ergo.

2) “Por fim, outra pergunta: o Código de Direito Canônico faz parte do objeto segundo do objeto primário do magistério, não? É possível que se aplique infalibilidade a ele, não? Se é assim, e o infalível, suponho, é imutável, como a verdade é também imutável, como pode haver mudanças no Código de Direito Canônico ao longo da história?”

RESPOSTA. Diga-se, antes de tudo, que o Direito Canônico não é objeto segundo do objeto primário do magistério; isto não existe. É parte do objeto secundário do magistério da Igreja em seu poder autoritativo, e, como todo ato deste objeto secundário, só participa da infalibilidade se se funda em ato infalível do objeto primário do mesmo poder. Se todavia se funda em ato certo, será certo; se se funda em ato provável, será provável; se não se funda em nada disto, terá autoridade nula. (E cuidado para não reduzir ou empobrecer, como o fazem astutamente ou ineptamente os sedevacantistas, a tese de Calderón supondo que ela gira em torno de uma minguada oposição magistério infalível versus magistério não infalível. Não: o cerne mesmo da tese do Padre argentino é, na esteira de Pio XII (Humani Generis), a oposição magistério autêntico (que pode ser infalível, certo ou provável, sempre com assistência do Espírito Santo em algum desses graus) versus magistério conciliar ou liberal (não assistido pelo Espírito Santo) por ter deposto, ele mesmo, sua potestade autoritativa.)

Diga-se, depois, que os atos do objeto secundário do magistério enquanto potestade autoritativa estão a cavaleiro entre o doutrinal e o prático. É o caso das leis canônicas, das leis litúrgicas, das canonizações, das excomunhões, etc. Pois bem, as excomunhões podem ser revistas, se um Papa perceber que se fundaram em informações falsas. As canonizações, se se fundarem em doutrina infalível e resultarem de preciso processo, então participarão da infalibilidade em modo irrevogável. Mas as leis canônicas e as leis litúrgicas, pelo caráter mesmo de seu objeto ou matéria, não são absolutamente fixas, ainda que participem da infalibilidade. Por quê? Porque as condições mesmas em que se formularam na ordem do prático não só podem mudar, mas efetivamente mudam. Por isso é um erro pernicioso o de muitos tradicionalistas que dizem que nenhum Papa pode alterar a Missa tridentina tal como estabelecida por São Pio V. Não só o pode, senão que alguns já o fizeram, em especial São Pio X e Pio XII (ainda que este antes quanto ao rito da Missa nos dias da Semana Santa). O problema do Novus Ordo Missae de Paulo VI é que, além de não fundado em doutrina assistida pelo Espírito Santo (mas na doutrina herética do “mistério pascal”), institui uma antimissa, ou seja, uma “missa” de caráter centralmente convival e memorial e não sacrifical. Quanto ao Código de Direito Canônico pós-conciliar, diga-se algo análogo: apesar de sua novilíngua ordenada a dar às novidades do direito pós-conciliar o caráter de continuadoras do direito do magistério autêntico da Igreja (trata-se ainda da “hermenêutica da continuidade”), não passa de uma colcha de retalhos fundada na doutrina do sensus fidei soi-disant infalível do Povo de Deus por si, o que só por si já lhe retira qualquer verdadeira autoridade. 

À guisa de conclusão, no entanto, e voltando ao título deste breve escrito, diga-se que se funda não só no posto ao longo destas linhas, mas em evidência: é absolutamente evidente que parte considerável dos sedevacantistas – na maioria jovens sem a menor iniciação em teologia – não só cai sob o anátema do Vaticano I, mas acaba por perder a fé ou a caridade, ou formalmente (aderindo, por exemplo, à ortodoxia ou ao protestantismo), ou materialmente (numa vida sem sacramentos, sem oração, com as consequências disso). E tudo isso decorre grandemente de que tais jovens nem sequer têm o senso de pertencimento a uma Igreja real, apenas a uma “igreja pneumática”. Sei que estas linhas, como aliás meu mesmo livro Do Papa Herético, são incapazes de abrir os olhos de ao menos grandíssima parte dos sedevacantistas, cujo coração se endureceu; até porque, ao fim e ao cabo, isto é efeito do processo – conducente ao Anticristo – de apostasia da própria hierarquia da Igreja iniciado expressamente pelo Concílio Vaticano II (ou seja, a abominação da desolação instalada no lugar santo). Mas ainda assim devo alertá-los e alertá-los: o canto de sereia do sedevacantismo, tão atraente à primeira vista, não é senão um convite à perdição.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

“Da Realeza Social De Cristo”, novo curso de Carlos Nougué

Curso de três meses ao vivo, com 12 aulas de uma hora cada uma (+ meia hora para solução de dúvidas), ou seja, uma por semana.

Valor total (por pagar-se no ato de inscrição): R$ 300,00.

• Número de alunos por turma: 5 (cinco), nem mais nem menos.

• Horário das aulas: sempre às 20 h.

• Início da primeira turma: quinta-feira 30 de novembro de 2023.

Ementa:

1) A doutrina das duas espadas até Bonifácio VIII

a) Pelos doutores e teólogos

b) Pelo magistério da Igreja

c) Duplo modo da infalibilidade desta doutrina

2) A doutrina pelas lentes de S. Tomás de Aquino

3) A deformação da doutrina magisterial e tomista

4) Estado e Igreja: duas sociedades perfeitas? ou se o magistério se contradisse a si mesmo

5) A retomada tomista por Leão XIII

6) A Quas primas de Pio XI, a carta magna da cristandade

7) De Maritain ao Vaticano II

8) Se o mundo voltará a cristianizar-se

a) Segundo o magistério da Igreja

b) Segundo os doutores e teólogos

c) Nossa opinião

d) Os milenarismos

e) O Apocalipse de São João

Observação: os interessados devem escrever-me para:

carlosnouguefilosofia@gmail.com .

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Sobre a edição das “Questões Disputadas sobre a Verdade”, de S. Tomás, pela Ecclesiae


Carlos Nougué 

    Quando, com suas quase mil páginas, esta obra foi lançada pela Ecclesiae, e depois de dar uma olhada muito superficial na tradução, saudei-a publicamente. E não deixo de fazê-lo ainda agora, depois de tê-la lido efetiva e mais detidamente; afinal, é algo de que o tomismo, e em particular seus estudantes, necessitava no Brasil, além de que não deixa de ser louvabilíssimo o trabalho árduo e – vê-se – honesto do tradutor. Mas tampouco posso deixar de assinalar, também publicamente, problemas desta tradução, porque tenho responsabilidade diante da multidão de meus alunos dispersa por meus vários cursos e outros meios.

Em meu último livro lançado, No Fragor da Batalha, incluí um escrito (“Termos e expressões de Santo Tomás”) em que relaciono o que não se deve traduzir de seu latim, mas deixá-lo em itálico com a devida explicação em nota de rodapé. Entre tais termos e expressões, estão simpliciter (que quer dizer pouco mais ou menos ‘pura e simplesmente’, ‘em termos absolutos’) e per se (que em alguns casos deve traduzir-se por “por si”, mas em outros não, porque aqui quer dizer pouco mais ou menos ‘em termos essenciais’ e se contrapõe a per accidens [‘acidentalmente, não essencialmente’], expressão que tampouco deve ser traduzida, porque “acidente” tem conotações em português que não convêm com a expressão). Pois bem, já na página 42 da referida tradução (mas multiplicando-se ao longo do volume) aparecem traduções inconvenientes justamente destes dois termos. Vejamo-las o mais brevemente possível.

a) “Ademais, alguma coisa se diz ser DE MODO SIMPLES, enquanto ela está naquilo que lhe confere sua completude.” Lê-se em latim: “Praeterea, secundum hoc dicitur esse aliquid SIMPLICITER, secundum quod est in sui complemento”. Note-se que traduzir aqui SIMPLICITER por “DE MODO SIMPLES” implica destruir o sentido mesmo da oração, fazendo-a absurda. Se fôssemos traduzir o termo que é melhor deixar em latim, o que o nosso Santo quis dizer é pouco mais ou menos o seguinte: “Diz-se que algo é [ou seja, existe e é o que é] PURA E SIMPLESMENTE ou EM TERMOS ABSOLUTOS quando esse algo está em seu estado completo”. Mas obviamente nossas palavras para traduzir simpliciter, ainda que acertadas, não expressam perfeitamente o que expressa o termo latino.

b) “Dizia-se que o universal não se corrompe por si, mas por acidente.” O que o leitor que não conhece latim nem o latim de Tomás tenderá a pensar? Que “o universal não se corrompe por si mesmo, por sua conta, sem intervenção de outrem, mas só quando sofre algum acidente”. Mas veja-se o latim: “Sed dicebat, quod universale non corrumpitur PER SE, sed PER ACCIDENS”. Antes de tudo, diga-se que já a não tradução da palavra inicial da frase latina, sed, desfigura o esquema da disputatio, porque este sed (“mas”) introduz nela uma réplica, a que se seguirá, ato contínuo, uma contrarréplica em forma de sed contra. Mas o pior é que o per se não quer dizer ‘por si’, mas pouco mais ou menos ‘essencialmente falando’, ou no máximo, se se insiste em traduzi-la, “de si”. Semelhantemente, per accidens quer dizer pouco mais ou menos ‘em termos acidentais, não essenciais’. Mas vê-se sem dificuldade como, com as devidas explicações em nota de rodapé ou num glossário prévio, a frase fluiria se posta assim em nossa pobre língua: “Mas dizia-se que o universal não se corrompe per se, mas per accidens”.

Por outro lado, na tradução de uma obra filosófica ou teológica deve respeitar-se maximamente a tradição terminológica. O nosso tradutor do De veritate, no entanto, põe na página 43 a seguinte frase: “Mas, em contrário, uma coisa é o Pai ser Pai, e outra coisa é o Filho ser Filho e SOPRAR o Espírito Santo”. Quer traduzir desse modo o seguinte: “Sed contra, alio pater est pater et generat filium; alio filius est filius et SPIRAT spiritum sanctum”, que todavia se traduz corretamente assim: "Mas, em contrário, uma coisa é que o Pai seja o Pai e gere o Filho; outra coisa é que o Filho seja o Filho e ESPIRE o Espírito Santo”. Trata-se da ESPIRAÇÃO [não "expiração"] como propriedade ou noção. Colocar “SOPRA” em vez de “ESPIRA” supõe dizer que há SOPRO na processão divina, termo que não traduz precisamente a noção e, ademais, implica um rebaixamento do nosso texto ao vulgar. Parece uma firula; mas não o é: usa-se desde sempre “ESPIRAR” até para manter a coisa quase como no latim: “SPIRAT SPIRITUM”. Não é difícil notar que SPIRAT não só é da mesma família que SPIRITUM, mas cabe quase inteiro nesta palavra. Entendamo-lo melhor com esta passagem de S. Tomás no Compêndio de Teologia:

“CAPÍTULO 57

DAS PROPRIEDADES OU NOÇÕES EM DEUS,

E QUANTAS SÃO NO PAI

Existente em Deus [...] tal número de Pessoas, é necessário que haja também certo número de propriedades pelas quais as Pessoas se distingam entre si. Três aparecem como convenientes ao Pai. Uma pela qual se distingue só do Filho, e esta é a paternidade; outra pela qual se distingue dos dois, ou seja, o Filho e o Espírito Santo, e esta é a inascibilidade, porque o Pai não é Deus procedente de outro, ao passo que o Filho e o Espírito Santo procedem de outro; a terceira pela qual o mesmo Pai com o Filho se distinguem do Espírito Santo, e esta se diz espiração comum. Mas não se há de assinalar nenhuma propriedade pela qual o Pai difira do Espírito Santo só, porque o Pai e o Filho são um único princípio do Espírito Santo, como se mostrou [c. 49]”.

Fico por aqui, insistindo: o que acabo de escrever não visa a nada mais que alertar para a correta maneira de entender e de traduzir S. Tomás (e a filosofia e a teologia em geral); não que eu mesmo não esteja sujeito a erros de tradução  falo em termos gerais. Para fazê-lo, é preciso profundo conhecimento não só do latim e da língua para a qual se traduz, mas também da mesma doutrina do nosso Doutor Angélico – até porque é uma temeridade não ser fiel a um quasi anjo.

terça-feira, 2 de maio de 2023

sexta-feira, 28 de abril de 2023

FALSOS AMIGOS DO ESPANHOL

 Carlos Nougué

Nota prévia: estas notas sobre os falsos amigos do espanhol vou publicando-as no Facebook, e, à medida que o for fazendo, republicá-las-ei aqui, nesta mesma postagem.

I) A palavra espanhola encuesta traduz-se em português por “pesquisa, enquete”, e não por “encosta”, que em espanhol é cuesta. Daí a expressão cuesta abajo = “ladeira abaixo”.

Encuesta vem do fr. enquête, enquanto este vem do lat. vulg. *inquaerĕre, e este do lat. in- e quaerĕre (‘indagar’, ‘perguntar’). Ou seja, encuesta tem a mesma origem que o nosso “enquete”.

II) Imaginem o estupor de um brasileiro sem domínio do espanhol diante do seguinte letreiro de um cinema madrilense: El presunto asesino. “O presunto assassino?!?!?!... Só pode ser filme surrealista”. Sucede porém que em espanhol presunto é o mesmo que o nosso adjetivo “suposto”; enquanto o nosso “presunto” se diz em espanhol jamón.

O presunto espanhol vem do lat. praesumptus, part. de praesumĕre (‘presumir’); enquanto o nosso “presunto” vem do lat. *presunctum, forma metatética de *persunctum, que por sua vez deriva de *sumctus, a, um por suctus, a, um, part. de sugĕre (‘sugar, sorver’). – Por seu lado, o esp. jamón deriva do fr. jambon, dim. de jambe (‘perna’).

Observação 1: o presunto espanhol pronuncia-se /presunto/, porque, como em grego, em espanhol não há o som de /z/.

Observação 2: o espanhol é com respeito ao português a língua mais traiçoeira. Parece-se muito com este; mas é quase incalculável o número de seus falsos amigos para os lusófonos. Por isso não creia, ó noviço na tradução e nos idiomas, que pode traduzir do espanhol sem o devido aprendizado desta língua. Se o faz, é desastre certo.

III) O “todavia” português e o todavía espanhol (com acento) têm o mesmo étimo: a contração de toda via e de toda vía, originalmente com o significado de ‘em todo o caminho, constantemente’. Mas em seu uso atual têm significado muito diverso.

O “todavia” português é sinônimo de “no entanto, contudo, não obstante”; enquanto o todavía espanhol se traduz em português por “ainda” (está durmiendo todavía = “ainda está dormindo”). Os dicionários hispânicos põem que todavía também pode significar o mesmo que o “todavia” português. Mas é raríssimo que se use com este significado; e, em minha vasta experiência de tradutor, salvo engano nunca deparei com este uso (ou talvez sim num Cantar de mio Cid, numas Coplas a la muerte de mi padre, num São João da Cruz, num Quijote).

Como se vê, por fim, é o todavía espanhol em seu sentido principal o que se mantém mais próximo do original: ‘ainda’, ou seja, ‘de modo constante’.

Observação 1: o nosso “todavia” e seus sinônimos (“contudo”, “no entanto”, “não obstante”, “sem embargo”, etc.) traduzem-se em espanhol por sin embargo, no obstante, con todo eso, (menos usado hoje em dia) empero.

Observação 2: sinônimo do todavía espanhol é aún (com acento; aun [sem acento] é sinônimo de incluso).

IV) O adjetivo espanhol largo traduz-se em português, antes de tudo, por “longo” ou “comprido”: un largo camino = “um longo caminho”; pelo largo = “cabelo comprido (ou longo)”.

Em alguns poucos casos, porém, traduz-se pelo nosso mesmo “largo”: por exemplo, caminar a pasos largos = “caminhar a passos largos”. Veja-se que nesta locução o nosso “largo” também significa ‘longo’.

Em espanhol há (ou havia) luengo, como se vê no Quijote: sus barbas luengas = “suas barbas longas”. Mas está desusado já desde há muito.

Observação 1: o nosso adjetivo “largo” com o sentido de ‘amplo na largura’ traduz-se em espanhol por ancho: “um corredor largo” = un pasillo ancho.

Observação 2: o ibérico largo provém do lat. largus, a, um (‘abundante, copioso, opulento, liberal, generoso, amplo’).

V) A locução adverbial espanhola por cierto traduz-se mais comumente em português por “aliás”, “a propósito”.

Mas também, ainda que menos comumente, pode traduzir-se por “por certo”, “certamente”.

É preciso portanto verter a locução castelhana segundo o contexto em que se encontre.

Observação 1: o espanhol alias (diz-se /álias/) traduz-se em português por “vulgo”, “também conhecido por”, “mais conhecido por”, etc.; ou ainda por “apodo” ou “apelido” (“sobrenome” em Portugal).

Observação 2: tanto o nosso “aliás” como o espanhol alias provêm do lat. alias (‘outra vez’, ‘outras vezes’, ‘em outro momento’, ‘em outra época’ [no sentido clássico]; e ‘de outro modo’, ‘por outro lado’, ‘de outro ângulo’ [a partir de Plínio]).

Observação 3: apesar do “rumor” em sentido contrário, “traduzir” e “verter” significam exatamente o mesmo, independentemente de se se translada da própria língua a outra ou de outra à própria.

VI) A locução adverbial espanhola más bien traduz-se em português por “antes”: No estoy alegre, sino más bien triste = “Não estou alegre, estou antes triste”; Una figura más bien apolínea que hercúlea = “Uma figura antes apolínea que hercúlea”.

Observação: neste uso, obviamente, o nosso “antes” não tem sentido temporal.

Nota gramatical: em português, antes de particípio não se deve usar “melhor” nem “pior”, mas “mais bem” e “mais mal”: “Este livro está mais bem escrito que o anterior”; “Esta casa está mais mal pintada que a outra”.

VII) Não há nada mais traiçoeiro para o lusófono que o pretérito perfeito composto do espanhol (e do francês, do italiano, do inglês...). É que só no português atual o pretérito perfeito composto expressa exclusivamente duração até o momento em que se fala ou escreve. Com efeito, “TENHO ESTUDADO muito” expressa uma ação começada no passado e prosseguida até agora. Em espanhol, no entanto, o pretérito perfeito composto expressa quase sempre uma ação terminada proximamente ao momento em que se fala ou escreve. Assim, He estudiado mucho não se traduz em português por “Tenho estudado muito”, mas com o nosso pretérito perfeito simples: “Estudei muito”. Este uso principalíssimo do pretérito perfeito composto do espanhol é idêntico, por exemplo, ao do passato prossimo do italiano.

É verdade que de vez em quando – muito de vez em quando – o pretérito perfeito do espanhol expressa uma ação começada no passado e continuada até o momento em que se fala ou escreve: por exemplo, Él ha vivido treinta años en esta casa PODE querer dizer que ele vive nesta casa desde há trinta anos. Se todavia é este o caso, então tampouco o traduzimos pelo nosso pretérito perfeito composto, mas pelo nosso presente: “Ele vive nesta casa há trinta anos”.

Salvo pois excepcionalíssimos casos como este – casos que só o contexto pode indicar –, devemos traduzir sempre o pretérito perfeito composto do espanhol pelo nosso pretérito perfeito simples. Diga-se o mesmo, aliás, e ainda mais absolutamente, do pretérito perfeito composto do italiano, do francês, do inglês... E, no entanto, muito infelizmente, pouco deparamos com este acerto tão basilar em livros traduzidos de todas essas línguas, não raro, ademais, contra o evidente. Uma, digamos, verdadeira tragédia civilizacional.

Observação: o pretérito perfeito do espanhol está praticamente desusado em boa parte da América hispânica. Nesta, usa-se quase sempre o pretérito perfeito simples: por exemplo, Estudié mucho (“Estudei muito”).

VIII) Hediondo, em espanhol, significa sobretudo ‘fétido, fedorento’; e secundariamente ‘insuportável’, ‘sujo’, ‘repugnante’, ‘obsceno’. Em português, significa sobretudo ‘repulsivo, pavoroso’ (crime hediondo); e secundariamente ‘sórdido, imundo’, ‘obsceno, depravado’. Não é desconhecido em português seu uso como ‘fétido, fedorento’; mas é muito raro.

IX) O borrar espanhol traduz-se em português por “apagar”, enquanto nosso “borrar” se traduz em espanhol por emborronar, ou por manchar (por exemplo, con tinta). Por sua vez, nosso adjetivo “borrado” com o sentido de ‘desfocado’ ou com o de ‘embaçado’ traduz-se em espanhol por borroso ou nublado e por empañado.

X) O verbo espanhol mofar não se traduz correntemente em português por “mofar”, mas por “escarnecer, zombar”; ao passo que o nosso “mofar” se traduz em espanhol por enmohecer. Há em português, sim, um “mofar” com o mesmo sentido do verbo espanhol, mas ao menos no Brasil é pouco usado.

Observação: em português, o “mofar” com o sentido de ‘encher de mofo’ e o “mofar” com o sentido de ‘zombar’ são falsos cognatos: o primeiro vem de mofo + ar, enquanto o segundo é de origem controversa.

XI) O substantivo espanhol aula traduz-se em português, sobretudo, por “sala de aula” ou por “aula” (por exemplo, a “aula conciliar”, ou seja, o lugar onde os bispos se reúnem em concílio).

Observação 1: o substantivo português “aula” também pode significar ‘sala de aula, classe’; mas é menos usado com este sentido. Usa-se muito mais com o sentido de 'lição ministrada por professor': como, por exemplo, em "João dá aulas de inglês".

Observação 2: o espanhol aula nunca tem o sentido de ‘lição ministrada por professor’. Para este sentido, a língua espanhola usa clase.

Observação 3: em português também se usa “classe” para ‘aula, lição ministrada por professor’: como, por exemplo, em “João dá classes de inglês”.

Observação 4: Aula (de ambas as línguas) vem do lat. aula, ae, ‘pátio, palácio’.


quarta-feira, 26 de abril de 2023

sábado, 22 de abril de 2023

DESTRUIR O CATOLICISMO A PARTIR DE DENTRO, FORTALECENDO A MAÇONARIA”. REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS PALAVRAS DE A. DUGIN

 http://catolicosribeiraopreto.com/destruir-o-catolicismo-a-partir-de-dentro-fortalecendo-a-maconaria-reflexoes-sobre-algumas-palavras-de-a-dugin/?fbclid=IwAR03tGJY9YZueW83jtfh5VoarFZoK4jOI0ifMuIwTlnZkowJ7hK-aIFVJl4#more-29612


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

“El odio al pensamiento”, por Dardo Juan Calderón (16/12/2022)

     Si el craso materialismo tuviera razón y lo que llamamos “espíritu” es en realidad una segregación del cerebro – como lo es la bilis del hígado  o las hormonas de las glándulas – que se mejora y adapta con la evolución… ¿por qué esta segregación se vuelve loca y se declara dueña del cuerpo?  ¿Quién es el “yo” que se supone propietario del cuerpo? ¡Si soy sólo cuerpo! El cartel debería decir “Soy cuerpo”  y basta. Pero esto los dejaría en un problema, ¿con qué derecho contrarío lo que el cuerpo define? Es absurdo que si somos materia se quiera ser algo que la materia no ha dispuesto. Tanto el querer ser de otro sexo como el ser eterno son  ideas que contrarían la materia, sin duda nacen de un “espíritu” (o de varios). Pero… ¿por qué  se le ocurren estas cosas al espíritu…? ¿se volvió loco?

Un materialista coherente nunca contrariaría las definiciones de su cuerpo, ni siquiera se rebelaría ante la muerte recurriendo a mil artificios para evitarla, por el contrario, una vez recibido el dato de la caducidad y envejecimiento, haríamos como el caballo de la zamba que “se fue a la barranca cansado de trotear”. Un materialista coherente nunca contrariaría las definiciones de su cuerpo, ni siquiera se rebelaría ante la muerte recurriendo a mil artificios para evitarla, por el contrario, una vez recibido el dato de la caducidad y envejecimiento, haríamos como el caballo de la zamba que “se fue a la barranca cansado de trotear”.    

No es concebible, por ejemplo, una hormona que entienda que todo el cuerpo está para darle el gusto a ella, que el cuerpo sea de su propiedad,  y entonces… ¿por qué la mente del hombre persigue ideas que rechaza su constitución corporal? Desde este punto de vista es tan inexplicable el martirio que sacrifica la vida corporal por un “idea” que va contra el instinto de conservación, como la homosexualidad que se rebela contra su constitución biológica y entra en un laberinto de disfunciones. Estas son cosas que dicta un espíritu ajeno o superior al cuerpo. ¿O será cierto que el hombre es un mono enfermo de espíritu?

Si somos un animal evolucionado lo más lógico sería que fuéramos unos seres más parecidos a los personajes del Canto de Mundo de Gionó, donde la corporeidad se hace cada vez  más consciente en todas sus funciones y gracias a ello el cuerpo se perfecciona y especializa frente al medio. Todo a partir de un psiquismo que se pone al servicio de la materia y no que la contraría,  pues ese psiquismo – como todas las segregaciones corporales-  surge como emanación de sus necesidades.

Parece que en los animales lo psíquico es una función más del cuerpo y se desarrolla para su mejor funcionamiento (digo “parece” porque no es tan así ni en los animales).  Pero no ha sido así en el hombre. Nos guste o no, ese psiquismo no solo se siente “dueño” del todo, como muestra el estúpido cartel que llama a prostituirse o a usar el aparato digestivo como si fuera reproductivo, sino que reclama que el todo se ponga a su servicio para fines completamente ajenos a su conformación. Unas veces contrarios al instinto de reproducción asesinando las crías y, más absurdo aún, rebelándose contra las más hermosas y placenteras disposiciones biológicas incluidas en el sexo, movidos por un espíritu realmente incomprensible que no responde  al  Dios enajenante de los cristianos, pero tampoco a las definiciones de la materia. ¿Quién es ese espíritu?

Sabemos que somos un compuesto de cuerpo y alma, una unidad, pero es al alma a la que le decimos propiamente YO y es a ella a la que conocemos, siendo el cuerpo un misterio mucho mayor de lo que se advierte al principio, ya que tiene una vida que ocurre tan fuera de nuestra conciencia, de una forma incontrolable y desde una energía inexplicable. Y una vez que nos encariñamos con esa vida, cataplum, el maldito nos falla con alguna enfermedad que vaya a saber de dónde viene,  demostrando que no sólo no es nuestro, sino que es un terrible enemigo cuyas fuerzas nos exceden con mucho. ¡Los eslóganes de este mundo idiota son tan fallutos! Ni los cuerpos son nuestros, ni somos tan libres, ni somos tan dignos…  en fin, la pobre mujer que hoy día revolea el corpiño y se siente tan libre de hacer con su cuerpo lo que le pega la regalada gana, mañana estará sufriendo alguna terrible enfermedad y sabrá de la peor manera que su cuerpo no es de ella. 

Es el alma la que vive, la que aprovecha lo que siente, la que piensa, la que se auto percibe, la que a veces disfruta y otras sufre al cuerpo. Ella es la que se propone fines y en esos fines, la más de las veces  hace violencia al cuerpo y este, rabioso, suele frustrarlos en forma despiadada.  Alma y cuerpo tendrán un equilibrio precario por un tiempo (no mucho mayor que el de la infancia)  pero de a poco se verán tristemente desencontrados  hasta el desencuentro final de la muerte, donde el alma se lamenta y se siente traicionada por el cuerpo. ¿¡Por qué!? Sin duda es un mal entendido (si se es materialista), que  proveniente de un alma  loca que cree tener una trascendencia sobre el hermano asno, idea que no se alcanza a saber de dónde le vino.

Desde este punto de vista  la vida del hombre, al revés de los animales, “ha evolucionado mal”, el espíritu ha venido a ser una disfunción. O por lo menos se ha enfermado gravemente.

Parece ser que esta enfermedad que sufre el hombre se llama “pensamiento” y proviene de una perversión, que es el deseo de dominar a los otros.  

EL ESPIRITU COMO ENFERMEDAD.

Esta evidencia de que el pensamiento es una enfermedad se hace filosofía a la salida de la segunda guerra. Reconoce la paternidad del existencialismo de Sartre pero fundamentalmente es  de raigambre freudiana, se nutre de la “alienación libidinal” de Marcuse (en tensión con Marx y su alienación puramente económica) y encontró sus mejores exponentes en Glucksman,  Bernard- Henri Levy, Lardreau, Jambet, Benoist, Dollé, Clavel y algunos otros (se suele incluir a Soljenitsin).

Partiendo de la negativa a ser un “grupo de pensamiento” (pues sus ideas parecen ser  muy diversas), renegando todos al rótulo de “pensadores” y aun  pretendiendo ser muy diferentes entre ellos, sin embargo se les llamó agrupadamente los “Nuevos Filósofos” franceses y se los entendió como un movimiento con características comunes. La principal coincidencia fue  la de haber sido criados en el marxismo pero haber sufrido un posterior desencanto de su origen y haber declarado una hostilidad implacable ante todo dogmatismo, en especial al dogmatismo marxista, sin por eso dejar de serlo. Previa estadía en el leninismo y el maoísmo (a los que entienden caducidad de lo teórico por una praxis pura), lo que finalmente rechazan es la utilización de la utopía colectiva para establecer, mientras se espera el mañana que canta,  un período tiránico que la más de las veces llega para quedarse.

En ellos la revolución seguirá siendo la deconstrucción de las “superestructuras” de poder, tanto las económicas que creó el capitalismo para dominar al hombre (como bien enseñó Marx), como las  libidinales que creó la Iglesia para el dominio de los hombres, siendo que ambas se refuerzan mutuamente y se complementan. La revolución ya no debe ser el establecimiento de una tiranía que derriba las superestructuras (dictadura del proletariado), pues la clase dirigente se aferra a la tiranía y el mañana liberador nunca llega. Sino que es un proceso de liberación individual (que luego será colectiva) de todo sistema de pensamiento político,  moral y religioso. El hito revolucionario por excelencia es el Mayo Francés del 68 y su total antiautoritarismo. Ninguna “dictadura” intermedia.

Las obras que produjo este movimiento fueron convertidas en best sellers de enormes tiradas y con un éxito económico como nunca vio la filosofía. A pesar de las dificultades de su lectura la publicidad las imponía a quienes “deben” estar al día. Apenas adquiridas las nuevas categorías conceptuales (más por efecto de la divulgación en revistas que por la lectura de los libros), lo que les quedaba en el caletre a los jóvenes estudiantes era la profunda idea de que para el advenimiento de un mundo mejor  había que tirar la chancleta. Byung- Chul Han, con el diario de mañana, contesta aquella sentencia de Lenin “el capitalismo venderá la soga con la que será ahorcado” y nos enseña que la burla del neoliberalismo es el de haber convertido al marxismo en una rentable mercancía de consumo. Rencilla entre dos truhanes de la que todavía no sabemos quién mató a quién, o quién vendió a quién.   

Sería Dollé, con el título de un libro, quien expresara la genial idea madre: “El Odio al pensamiento”.  El “pensamiento” es todo intento doctrinario sobre el que reposa cualquier tipo de “poder” que hace de los hombres “títeres intelectuales”. Lo  ha sido el cristianismo, productor de la enajenación medieval que sostenía el “Anciene Regime” con su violencia inquisitoria; el racionalismo capitalista con su violencia industrial, el racismo nazi de los Auschwitz  y  luego el comunismo de los Goulag. El Estado moderno y revolucionario se dice  “liberador” pero no nos ha liberado de nada,  sino que ha ido suplantado  a la Iglesia del medioevo con nuevos “sistemas de poder”, todos  producidos por el “pensamiento del amo”. Poder que antes fuera asentado en la teología y luego en la ciencia, pero con el mismo resultado.

La enajenación se ha hecho una segunda naturaleza y el hombre moderno, temeroso de la libertad (Fromm), busca él mismo esclavizarse para sentirse seguro y con ello crea sus “amos” y refugia su inseguridad en una doctrina. Han,  agregará que la gran novedad del neoliberalismo es que penetra el psiquismo como una religión materialista que trabaja desde dentro y no necesita violencia externa,  el hombre es explotado por sí mismo a niveles nunca vistos en la historia, ni por los peores amos que se recuerden. El posmoderno se exprimirá hasta el “burnout” (estrés crónico), que es el martirio capitalista en pos de la productividad personal.   

Estos Nuevos Filósofos vieron la salida en el Mayo del 68 que da una primer patada liberadora (no hay que olvidar que en ese mismo año en Medellín, se daría el inicio de la Teología de la Liberación, síntesis de marxismo y catolicismo). Liberación que no es de las gentes comunes sino de los intelectuales (profesores y estudiantes) que son la vanguardia, quienes deben ser los “ángeles rebeldes” frente a los “amos”. El Ángel  es un libro de Lardreau y Jambet, y es “el rebelde” por definición, el perenne adversario de los amos, el irreductible enemigo de los tiranos “Nos hemos dado esta consigna: que el ángel venga. Las presentes páginas se destinan a crear, en leves torbellinos, el llamado. Soljenitsin satisfará las derechas, pero es también un héroe de esa izquierda que ayuda con sus denuncias a soltar el dogma marxista y denunciar la tiranía, dejando de “pensar sistemas integrales” para pensar los problemas cotidianos de la gente, los problemas que aquejan al hombre una vez que ha sido liberado del “sistema del amo” y dichos problemas puedan salir libremente a la luz con sólo quitarle la tapadera de una moral de dominio, ya sea cristiana, capitalista, comunista o la que fuera. (Soljenitsin será colaborador de la Revista Concilium, de la que trataremos más adelante)

André Glucksman decía: “Los intelectuales magos que aportan al pueblo soluciones generales y definitivas tienden a desaparecer. Viene otra manera de ser intelectual más modesta. La manera de actuar sobre puntos precisos”.  Nada de pensar soluciones universales, sino avocarse a los problemas cotidianos y concretos  del hombre común,  para resolverlos fuera de consignas y compulsiones que ocultan propósitos de dominación. Esto comienza con la consigna “sesentayochentesca” de impedir toda coerción y dejar en libertad toda “insurgencia”-  “prohibido prohibir” –  ya sea étnica, regionalista, ecológica, antinuclear, feminista, homosexualista,  indigenista y etc., etc., siempre que se mantengan al margen de construcciones ideológicas. Basta de cosmologías. Hoy vemos ese pensamiento “sobre puntos precisos” y desasidas de cosmologías, triunfante y esponsorizado por las grandes usinas financieras masonas, hecho credo en el burgués atontado.

Aunque esas “insurgencias” puedan ser bobas, contradictorias y hasta científicamente erróneas, no importa. Son procesos válidos de liberación mediante los cuales el hombre pierde el miedo a la libertad, ensaya sus primeros pasos sin patrones y puede destrabar esa relación de esclavo-amo que les creó la superestructura. Entre las más bobas vemos la del lenguaje inclusivo, pero es de una gran significación como liberación de superestructuras; soltar la gramática es tirar el último contacto que la inteligencia moderna tenía con la lógica.

En esa escuela hubo católicos, como Clavel, que dan por terminada la filosofía y la teología cristiana: Dios es una experiencia del alma que se puede “sentir” pero no expresar. Clavel ha sido arrebatado por Dios en su habitación  como San Pablo camino a Damasco  y esto  lo ha hecho tomar conciencia de una religión sin intermediarios: “Sólo Dios puede hablar de Dios”  y el hombre,  cuando hace doctrina, en realidad manipula en favor de alguna ideología de poder. Lo que corresponde al hombre de Iglesia es abandonar su pertenencia institucional y dedicarse a solucionar los problemas concretos de los fieles. (Algo muy parecido dirá Ratzinger más abajo)

Glucksman expresa estas ideas en su libro “La cocinera y el comedor de hombres”. “La Cocinera” era para Lenin lo que nosotros decimos “Doña Rosa”, el hombre común. Lenin entendía que el poder una vez librado de las superestructuras económicas debería poder ser ejercido por una simple cocinera. Hoy vemos en Argentina a la “oposición” (supuestamente de derecha) enarbolar estas banderas  de los “problemas cotidianos” contra la izquierda que,  aunque es principalmente ladrona y resentida,  esboza alguna dogmática política residual de sus horas universitarias y por ello son atacados  desde  la corrección política de quienes se han autoimpuesto renunciar a todo “pensamiento”, declarándose libertarios a ultranza y guardando – sin saberlo, muchas veces –  bajo siete llaves, tras esa supuesta libertad, el secreto de la cosmovisión masónica y su mesianismo judío. Los planteos de política “minimalista” – por ejemplo municipalista para solucionar problemas cotidianos, sanitaria frente al aborto y contraconcepción, o universitaria frente a la desculturización-  de algunos católicos sedicentes tradicionalistas,  responden a esta misma defección intelectual de una visión integral, ocurrida desde hace tiempo. Defección de la inteligencia que nos sorprende al verla aparecer en grupos conservadores que a pesar de visitar a veces la Vieja Misa (¡¡resumen de la alienación si la hay!! ¡Mea culpa! ¡Non sum dignus!) se mesan los cabellos cada vez que algún viejo cura repite en un sermón la doctrina católica del poder.- https://adelantelafe.com/carta-a-los-criticos-del-estado-confesional/

Si bien miran no es difícil encontrar a Bergoglio en estas ideas, ni el darse cuenta que el camino Sinodal es esto mismo. Francisco es un hombre de esa época y su repugnancia por la “doctrina”, más la trivialización de los “lugares” teológicos, lo hace el perfecto ejemplo del “ángel rebelde” de Lardreau y Jambert.  En Ecuador dio un ejemplo al definir qué fueron los movimientos de liberación en  América, “Un movimiento que nació de la conciencia de la falta de libertades, de estar siendo exprimidos y saqueados, sometidos a conveniencias circunstanciales de los poderosos”. Toda una enorme falsedad que arrastra por el piso, tras la remanida calumnia a la España Imperial, el prestigio de la Iglesia Católica que se había jugado expresamente en la Conquista. Allí mismo insiste en ir contra las “Propuestas integracionistas en la sociedad” … “La unión que pide Jesús no es uniformidad, sino la que atrae multiforme armonía”. Llamó a “luchar por la inclusión a todos los niveles para evitar una búsqueda estéril del poder a costilla de los más pobres, de los más excluídos”.  Allí mismo ya hablará de la inconducencia de la acción adoctrinante de la Iglesia (América es la gran “víctima” de este espíritu de dominio católico), por una evangelización que es acompañamiento (o complicidad) en la condición humana.

Los que tienen memoria deben acordarse que Ratzinger refirió las ideas de Francisco a este movimiento que señalamos. Lo dijo a su manera en aquella carta del 2019 sobre La Iglesia y la Sexualidad, carta que surgía a la salida de un sordo e irónico entrevero intelectual entre los dos Papas (que confesaban mutuamente no haberse leído) y en la que el renunciante evidencia las fuentes filosóficas del jesuita. El problema de la Iglesia y su caída moral, nos decía el alemán,  no había sido por efecto del Concilio Vaticano II sino del Mayo del 68 (el período del 60 al 80, el de los Nuevos Filósofos),  donde “la teología moral católica sufrió un colapso que dejó a la Iglesia indefensa ante estos cambios en la sociedad”. No entendió, o no quiso entender, que si bien los cambios en la sexualidad entraron en la Iglesia a través del Mayo Francés (ya que los textos del Concilio no promovían este desenfreno),  la “indefensión” a la que se refiere sí provino del derribo del concepto de autoridad que hizo el Concilio, más la forzada visión naif del mundo moderno con que se expresaba. Específicamente la entrada del vicio nefasto se provocó por la asistencia de los sacerdotes y  seminaristas en las universidades, que fueron el foco de la revuelta.   

El viejo cardenal quería exculpar de las derivas “ultramodernistas” al Concilio poniendo como su fruto adecuado a la Veritatis Esplendor y como ejemplo de católico a Juan Pablo II. Es decir, una moral del bien y del mal, que no responde ya a superestructuras de poder ni se impone en forma disciplinaria, pero que pone coto al desenfreno aportando criterios a las conciencias libres. Los Padres Conciliares entendían que el hombre de la modernidad reconocería con agrado el aporte mitigador de la orgía si la Iglesia daba muestras inequívocas de carecer de toda pretensión de poder político. Así se acercaría a la Iglesia sin sospechas de segundas intenciones fuera de lo moral, y de una moral que ya se había salido del cerco de la infalibilidad en la que sólo quedaba la fe. La entrega simbólica de la Tiara Papal a la ONU era el gesto por excelencia.

Sin embargo no podemos tampoco dejar de ver las coincidencias de los Nuevos Filósofos tanto con Benedicto XVI  como con Juan Pablo II, cuyos esfuerzos por la liberación de la dogmática comunista del poder – dejando a salvo ciertas bases intelectuales – y que fueran el caballito de batalla de aquel papado, se hicieron tan en consonancia con aquella generación de filósofos (teniendo estos últimos un protagonismo bastante mayor que el que se le da a Juan Pablo II en la caída del muro, que se hizo más por lo ideales libertarios que por los católicos). También ellos partían de una base evidentemente marxista de desmantelamiento de toda dimensión política de la Iglesia, o diríamos con ellos, de “deconstrucción de las superestructuras de dominio”, lo que es un tarea política, pero para despedirse de lo político. En la Revolución, tanto el proceso deconstructivo como el de la tiranía, se anuncian como pasajeros y resultan su única realidad.    

No nos engañemos, Ratzinger también formaba parte de la mentalidad de los Nuevos Filósofos, del Odio al Pensamiento (rechazo del doctrinarismo) y de la idea marxista de liberación de las “superestructuras”. Fue famosa la frase de Ratzinger que impresionó a Pablo VI y que lo llevó a ser un “joven teólogo” de fama: “Dios a través del proceso histórico, nunca ha estado del lado de las instituciones, sino siempre del lado de los que sufren, de los perseguidos” (Corriere della Sera 21 de abril de 2005).  Estas ideas liberales inclinadas a la izquierda lo llevaron a la cátedra en Tubinga de manos de Hans Kung  pero y a pesar de que las profería en la evanescencia del ámbito universitario, envueltas en un halo poético, si ponían en guardia a  las mentes latinas sobre el desenfreno moral que claramente anunciaban (Calmel lo pronosticaba  expresamente un tiempo antes), no insidían en la ingenuidad germana del teólogo, lo que le impidió ver la relación de causa y efecto con el desbarranque de la sexualidad.

Había contribuido en los dichos y en los hechos al desmantelamiento de toda posible supervivencia de una “superestructura de poder” en la Iglesia, había socavado las admoniciones conque la autoridad contiene la deriva de nuestra naturaleza,  sostuvo el “odio al pensamiento” muy al estilo de Clavel, criticando la rigidez estructural tomista y proponiendo la experiencia inmanente; había aceptado el retiro de lo moral del cerco dogmático para dejarlo en la nebulosa de la conciencia (Newman) ¡y luego se extraña ante la debacle moral!

En la misma carta en que pretende exculpar al Concilio por las derivas en la perversión sexual dentro de la Iglesia, reafirma los errores del Concilio y continúa la tarea deconstructiva: “Dios se ha hecho hombre por nosotros. La criatura humana le es tan sumamente cara que se ha unido a ella y así ha entrado de manera concreta en la historia humana. Habla con nosotros, padece con nosotros y ha asumido sobre sí la muerte por nosotros. De ello hablamos en teología exhaustivamente, con doctas palabras y pensamientos. Y sin embargo, ahí reside precisamente el peligro de hacernos dueños de la fe en lugar de dejarnos renovar y dominar por la fe”.  Y en algunos párrafos posteriores consagra su hostilidad contra una Iglesia “Política”: “… la iglesia muere en las almas”. En efecto, la Iglesia hoy se ve en gran medida sólo como una especie de aparato político. Se habla de ella en la práctica sólo con categorías políticas, y eso vale también para los obispos, que se formulan su imagen de la Iglesia del futuro en términos casi exclusivamente políticos”.

“Sujeción y libertad del pensamiento católico” rezaba la obra de Hartmann y con ella se introducía al católico en un laberinto de contradicciones que podían divertir a los intelectuales de aquellas universidades teutonas, pero de las que los seminaristas solían salir con pocas ideas y sin ropa interior. El poético Hiperión de Holderin todavía producía ecos en las paredes de Tubinga y  Ratzinger gozaba con estas mismas contradicciones que lo hicieron famoso, seguro de poder sobrellevar él las consecuencias de su “des-integrismo”, que era el desafío de la nueva generación de sacerdotes católicos. Cuenta Kung que los alumnos de Tubinga ponderaban los planteos novedosos de Ratzinger, que anunciaban maravillosas insurgencias, pero deploraban sus conclusiones retardatarias y mezquinas. Kung, mejor dispuesto a las “experiencias liberadoras”, lo insultaría y lo compararía con el Gran Inquisidor de Dostoievski  por su “miedo a la libertad”. Perdiendo el favor de la trinidad modernista de Tubinga: Kung, Rahner y Schillebeeckx , buscó salida por Ratisbona con su admirado Urs von Balthasar y otros “modernistas moderados” como Bouyer, De Lubac y Medina. Con estos funda la revista “Concilium” para defender al Concilio Vaticano II de las derivas exageradas, es decir, todo eso que expresa en la carta mencionada y que fue la ambigua batalla de su vida, o mejor dicho, la batalla de su vida  por la ambigüedad. (En la presentación de la revista hacía Balthasar un juego etimológico entre Concilio e Iglesia, demostrando que significaban lo mismo y que por tanto, eran lo mismo).

El Novus Ordo, que tanto defendieron,  sabían que era  la obra maestra de la des-jerarquización social del sacerdocio y de la Iglesia, el derribo consciente de una “superestructura de poder” que le era solicitado por las fuerzas del “mundo”.  Era evidente que la vieja Iglesia  remachaba en cada Misa su constitución piramidal para sostener la alienación de los fieles cristianos con el permanente “non sum dignus”, y que había que sacarla ya de circulación en pos de una pertenencia más “digna” y no tan subordinada. Pero esa deconstrucción debía ser protegida para no llegar hasta el punto de degenerar en el libertinaje al que se arriesga cada avance de libertad.  El precio de la  libertad suele ser la perdición, precio que los modernistas de avanzada pagaban con gusto revolcándose en su barro y negando el infierno, pero que los moderados trataban de evitar ante el horror desatado en la moral sexual de la curia. Horror que sinceramente sufrían sin notar que ellos habían derribado los muros de contención que lo permitieron.  

En la mencionada carta, el papa Emérito da cuenta del testimonio de un cura pedófilo que hace poner los pelos de punta; el pedófilo violaba una “monaguilla” ofreciéndole su cuerpo con las palabras de la consagración. Ciertamente su rechazo y su horror son sinceros. Como buen liberal, nunca pensó que por aflojar el cíngulo un cura podría llegar a violar un niño.    

Vale la pena escuchar las ponderaciones de un cura tradicionalista sobre los efectos del Novus Ordo:  “Las tres principales deficiencias que uno encuentra – en la Nueva Misa– son la de disminuir gravemente la afirmación de la Presencia Real … , el ocultar el aspecto sacrificial de la misa, y particularmente el aspecto expiatorio… ; y finalmente debilitar el sentido de la jerarquía y la distinción entre el Sacerdote y los fieles (recitación del Canon en voz alta) .https://laportelatine.org/formation/crise-eglise/nouvelle-messe/des-fruits-venus-de-la-nouvelle-messe

pues este debilitamiento de la jerarquía era un asunto tenido en cuenta y buscado expresamente por los reformadores.

FRANCISCO, EL ANGEL

Francisco descree de “los pensadores”,  quiere salir de los planteos “abstractos” de liturgia o teología, pero no porque sea un obtuso ni un ignorante de la doctrina católica,  sino desde esta perspectiva de un neo marxismo bastante alambicado. La diferencia con su predecesor es su total falta de horror al pecado, los daños colaterales de la revolución no lo asustan, “nuestra fe es revolucionaria” repetía (título de un libro sobre su personalidad), y sus permanentes acogimientos de perversos a las audiencias vaticanas (y hasta sacrílegas comuniones),  han sido efectuados para quitar importancia al pecado, como quita importancia el revolucionario a las víctimas de la guillotina o del tiro en la nuca, en pos de un mundo rectificado.

Aquellos planteos doctrinarios,  que conoce bien,  son “pensamiento”, es decir “doctrina”, a la que él llama “ideología”, porque sabe que responde a una etapa en que la Iglesia pretendía poder sobre las personas, autoridad.  Él tiene “odio al pensamiento”  y se dedica a escuchar para solucionar los problemas concretos de los católicos, que son triviales, sí, no se le oculta,  y que también  suelen ser perversiones de una  libertad para la cual no están preparados todavía. Se les tiene que permitir – o mejor dicho instigar –  la “insurgencia”, a que “hagan lío… un lío que nos dé un corazón libre, un lío que nazca de haber conocido a Jesús”, a fin de que librados de la superestructura “ideológica” de la vieja religión, liberación producida por el Concilio Vaticano II que ha abandonado el “pensamiento del amo” y que ya no quiere “regir” ni dominar con el “pensamiento”, puedan los problemas cotidianos de los fieles surgir espontáneamente. Se consultarán por la vía sinodal: divorcio, ecología, homosexualidad, feminismo, emigración, indigenismo, y algunas otras picazones en los fondillos son los verdaderos planteos que aquejan a los fieles y no el filioque o el cambio del ofertorio en la misa. Asuntos que podían preocupar a un “pensamiento de poder”. 

Se puede entender que el fiel atrasado tenga miedo a la libertad, que necesite un “amo” (¿un Señor?) y que busque el refugio del esclavo en una doctrina. Eso es el Tradicionalismo, al que hay que darle tiempo, tenerle paciencia, pero hacer movimientos para liberarlo, para que se atreva a la libertad. Es quizá más fácil liberar a los conservadores, que no tienen ideas sino “cosas”, y es cuestión de hacérselas perder.  Y así como hay varios que de susto a las derivas morales más se abroquelan a la doctrina (y no debe escandalizarnos que no pocos responden más al “miedo a la libertad” que al amor por la Verdad),  muchos más son los que van entrando en el proceso de abandonar las cosmologías y dedicarse a tratar los problemas de sus prójimos (¡cada vez más próximos!) desorientados y acordar con Francisco. Después de todo, es cierto que ya en cada casa católica hay un divorciado, un homosexual, una feminista, un ecologista y varios idiotas, que tras un falso concepto de la misericordia nos arrastrarán tras sus vicios y defecciones.

¿Estoy exagerando con este neo marxismo? El documento sinodal salido de los Obispos argentinos dice.  «Es importante construir un modelo institucional sinodal como paradigma eclesial de deconstrucción del poder piramidal que privilegia las gestiones unipersonales. « La adhesión a los postulados neo marxistas es clara y patente, es el “magisterio” de Bergoglio que expresan sus predilectos alcahuetes que, como buenos perros, después de esa frase piden una galleta y probablemente reciban (como Poli) una patada por obvios.             

 VOLVAMOS AL CUERPO Y AL ESPÍRITU.

Nos resultaba llamativo este espíritu que en el materialismo surgía del cuerpo y que inexplicablemente  lo contrariaba. Sabemos la resolución del problema en cristiano, comenzando porque el espíritu se infunde por el Creador a la materia con el alma inmortal  y no emana o se segrega del cuerpo, al que por el contrario de lo que se supone,  le da la vida. Vida que al ser compartida con Dios es ya de una misteriosa felicidad de equilibrio del compuesto por efecto de lagracia en su condición paradisíaca;  vida terrible y trágica del desencuentro de los coprincipios en su condición escindida por la muerte acarreada por el pecado;   pero vida renovada increíblemente maravillosa en la condición redimida, que da al cuerpo – que se hace dócil al Espíritu –  su sentido de  Ofrenda, premiándolo con la resurrección. Ya la muerte y la contradicción están entornadas del dulce misterio de una vida de expiación, que lleva al retorno y reencuentro con su Creador en Su misma Vida.

Pero ¿cómo justifican estos pensadores la pugna entre el cuerpo y el espíritu a pesar de su materialismo? ¿Qué es ese espíritu que declara: “el cuerpo es mío” y hago de mi panza un tambor y de mi traste un florero? Aún contra la evidencia biológica.  ¿De dónde surge esta tensión y cómo se resuelve?

Jean Dollé expresará genialmente el espiritualismo de un materialista: “Ustedes obedecerán a sus puercos. Yo no me someto sino a mis dioses que no existen”. ¡¡Qué vivo!! ¡Así yo también!

La gran mayoría de ellos aceptarán y entenderán que eso que llamamos espíritu,  nos reclama ciertos aparentes absurdos. Absurdos que surgen en el arte y desde el arte (no en las teorías ni en las ciencias). Para la razón científica resultan  inexplicables y son sólo intuidos por la experiencia estética, hasta que se hacen evidentes  cuando lo poético- profético se hace historia. ¡Uff…! expliquemos:

El artista, el poeta de cada tiempo, expresa una idea que surge de una experiencia estética que nadie comprende en su momento. Esa idea estética es fruto de la reacción del poeta contra la acción enajenante del amo, del déspota y del tirano (Cristo ante el Dios veterotestamentario, por ejemplo). El poeta se rebela, es el Ángel Rebelde (como Lucifer ante el Dios Tronante), y construye un mito poético, mito que se hace carne de a poco y transforma desde dentro a las gentes produciendo una civilización que realiza en sí misma el mito. La Ilíada y la Odisea de Homero hacen Grecia, La Eneida de Virgilio hace a Roma, La Biblia hace a la Cristiandad.  “Poco importa – nos dice Dollé – que el Cristo haya existido o no, poco importa que la Biblia cuente cosas que no han existido jamás, lo que importa es que han quedado …”. Y al haber estos mitos  influido en los hombres han hecho la historia. La solución es “suscitar y desarrollar un movimiento filosófico y poético” que construya el próximo período a partir de la rebeldía contra el “amo” actual.  Por supuesto que hoy no vamos a entender la experiencia poética que fundará el futuro; nos puede parecer loca, absurda, ininteligible y hasta degenerada. Siempre será una “insurgencia”, hasta que se haga historia y se devele.

Un retardado como yo puede pensar que el mundo artístico de nuestra época son un montón de maricas degenerados e imbéciles a los que otro montón de vivos han convertido en un negocio,  y que no entiendo qué  tiene de estético lo antinatural, sobre todo habiendo tan convenientes naturales maneras ¡pero no! ¡Hay que darle tiempo a la “experiencia estética”!  Es probable que la represión sea parte de la concreción y en esto yo forme parte del poema al maltratarlos ¡claro que la clarividencia es dolorosa! (según dicen…) y así como tenían que morir Sócrates y Cristo de manos de los esbirros del poder constituído, tendrán que sufrirme estos retambufas hasta que todos se hagan de la retambufa y la historia me vomite (para lo que mucho no falta).    

Si queremos concluir sobre qué es ese “espíritu”, ese dios que no existe y al que obedecen y adoran los materialistas, que contraría la propia lógica de la materia; de una materia que se niega a sí misma para autoconducirse  a un estadio de síntesis científicamente inconcebible, pero poéticamente anhelable; esa emanación que se antoja trascendente pero que sin embargo surge de la inmanencia…  Si queremos saber algo sobre ese “espíritu”, repito … no nos queda otra que hacerles caso y vernos obligados a recurrir, como ellos, al simbolismo de una mítica luciferina. Porque es también para nosotros casi imposible privarnos, para la explicación de sus ideas, de una presencia satánica. De una especie de “estado de desgracia”.   

• DARDO JUAN CALDERÓN, es abogado en ejercicio del foro en la Provincia de Mendoza, Argentina, donde nació en el año 1958. Titulado de la Universidad de Mendoza y padre de numerosa familia, alterna el ejercicio de la profesión con una profusa producción de artículos en medios gráficos y electrónicos de aquel país, de estilo polémico y crítico, adhiriendo al pensamiento Tradicional Católico.

Fonte: https://adelantelafe.com/el-odio-al-pensamiento/?fbclid=IwAR1Dg1U7Tx8hNtZq1-J8fAu58snR2Hm7iAUpvwxs2rAjE4MT4nY1R-EIxTA