domingo, 25 de dezembro de 2022

Um santo e feliz Natal para todos


 Natal

Luís de Camões

(Observação: mor = maior.)


Dos Céus à Terra desce a mor Beleza,

Une-se à nossa carne e fá-la nobre;

E, sendo a humanidade dantes pobre,

Hoje subida fica à mor alteza.


Busca o Senhor mais rico a mor pobreza;

Que, como ao mundo o seu amor descobre,

De palhas vis o corpo tenro encobre,

E por elas o mesmo Céu despreza.


Como? Deus em pobreza à terra desce?

O que é mais pobre tanto lhe contenta,

Que este somente rico lhe parece.


Pobreza este Presépio representa;

Mas tanto por ser pobre já merece,

Que, quanto mais o é, mais lhe contenta.


Quem disse que tomista não pode escrever literatura?

No final de janeiro, começará a campanha das Edições Santo Tomás pelo lançamento de dois livros literários:

1) Entre Capelas e Tabernas, de Daniel Coterline Scherer (romance de cerca de 200 páginas); e

2) Dormições, de Carlos Ancêde Nougué (um “orvalho de contos”, de cerca de 120 páginas com imagens coloridas).

Vou dando notícias.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Heureca!

                                                                                                              Carlos Nougué 

Os que me acompanham o trabalho filosófico sabem que já dura mais de uma década minha preocupação com a ordem das disciplinas, e em especial com a ordem de sustentação e pedagógica da Lógica e suas partes potenciais e integrais. Em um primeiro momento, na Escola Tomista, segui quanto a isto último a visão do P. Calderón; depois, ainda na Escola Tomista e no livro “Estudos Tomistas – opúsculos II”, mudei de parecer e em certo sentido inverti a ordem da Lógica e suas partes oferecida por Calderón. Mas tampouco minha mesma proposta chegou nunca a convencer-me totalmente. Pois agora, ao gravar as primeiras aulas da parte sobre Aristóteles do curso Uma História Tomista da Filosofia (ou seja, a partir da trigésima aula do curso), finalmente encontrei uma ordem da Lógica e suas partes que me convenceu plenamente. Dá-la-ei no curso, e em futuro livro. Não posso estar senão muito contente. Achei! e, quero crê-lo, com o auxílio de alguma graça.

domingo, 30 de outubro de 2022

A História da Igreja à luz das profecias

  

Curso online de Carlos Nougué em sete módulos

Dados gerais

As inscrições se farão por módulo.

Valor da inscrição por módulo: R$ 60,00.

Acesso a cada módulo: um ano.

• Entre um módulo e outro, sempre poderá haver um intervalo.

Cada módulo terá cerca de 15 aulas.

• A primeira aula do primeiro módulo irá ao ar no dia 3 de dezembro.

Fundamentação

1) As Histórias da Igreja padecem de um triplo problema.

• Antes de tudo, o não ver a história da Igreja à luz das profecias bíblicas, com o que fica suposto que estas ou já se cumpriram num passado sempre mais remoto ou só se cumprirão num futuro sempre postergado. Nega-se ou não se quer ver, assim, que tais profecias se cumpriram ao longo de toda a história da Igreja, se estão cumprindo bem diante de nossos olhos, e se cumprirão num futuro cujo limite não nos é dado conhecer.   

• Depois, o não reconhecer suficientemente que a história da Igreja se dá no seio ou leito da história do mundo, ainda que seja a Igreja o próprio Reino de Deus descido do céu à terra, e ainda que a figura deste mundo vá passar e a Igreja militante se vá transmutar na Igreja triunfante. Mas o dito supõe um íntimo imbricamento entre a História da Igreja e a Teologia da história.

• Por fim, e por conseguinte, não assinalar como devido que a história se ordena essencialmente à Igreja, porque a história não é senão propter electos, por causa e pelos eleitos.

2) Pois bem, sem deixar de fazer estrita História da Igreja, este curso buscará não incorrer em tal triplo problema, do seguinte triplo modo.

• Antes de tudo, verá a história da Igreja e do mundo à luz das profecias veterotestamentárias (muito especialmente Ezequiel e Daniel) e das profecias neotestamentárias (Nosso Senhor Jesus Cristo nos Evangelhos, Segunda Epístola aos Tessalonicenses, muito especialmente Apocalipse de São João, etc.).    

• Depois, verá a história da Igreja (e pois a do mundo) segundo um constante entrelaçamento entre História da Igreja e Teologia da História.

• Por fim, e por conseguinte, mostrará como a história do mundo se ordena essencialmente à Igreja, e o que quer dizer precisamente que ela seja propter electos.   

Os sete módulos

I) A Igreja dos mártires: desde a instituição da Igreja até ao Imperador Constantino, exclusive.

Observação: vide mais abaixo o programa detalhado deste primeiro módulo; o programa detalhado dos outros módulos dar-se-á à medida que forem oferecidos.

II) A primeira Cristandade: desde o edito de Constantino (313) até ao pontificado de São Leão Magno e à queda do Império Romano do Ocidente, passando pela decadência deste após a morte de Teodósio.

Observação: explicar-se-á neste módulo o que é a Cristandade.

III) Nascimento e apogeu da segunda Cristandade: desde as tribulações da Igreja sob as invasões bárbaras e ante os obstáculos do Oriente até ao fim do século XIII, o ponto áureo da história, passando por Carlos Magno, pelo “século de ferro” (século X) e pela querela das investiduras.

IV) A ruptura da segunda Cristandade e a primeira fase da apostasia das nações: desde a afronta de Felipe, o Belo, ao Papa Bonifácio VIII (início do século XIV) até à heresia e cisma de Lutero, passando pela Guerra dos Cem Anos, pela peste negra, pelo humanismo e pelo Renascimento.

V) Entre uma Igreja revigorada e a revolução: desde o Concílio de Trento (século XVI) e os jesuítas até à liberal Revolução Francesa (fim do século XVIII), passando pela breve terceira Cristandade ibérica, pelo iluminismo e pelo rompimento da aliança entre a monarquia absolutista e a burguesia.

VI) A reação de uma Igreja sitiada à revolução: desde os Papas do século XIX, em especial Leão XIII com o retorno ao tomismo, até ao pontificado magnífico mas agônico de Pio XII, passando pelo Syllabus de Pio IX, pelo tradicionalismo, pelo Vaticano I, pelo liberal-conservadorismo, pelo modernismo, pelo pontificado santo de Pio X, pelo comunismo, pelo maurrasianismo, pela Quas primas de Pio XI, pelo nazifascismo, e pelas duas guerras mundiais.

VII) A abominação da desolação instalada no lugar santo: desde o Concílio Vaticano II até os dias atuais, passando pela última e vitoriosa revolução, a sadolibertina – um mundo sob a trindade Príapo, Mamon e Moloc, e uma Igreja em que muitos abrem os braços para o Anticristo.           

Programa do primeiro módulo

A Igreja dos mártires

1) As profecias bíblicas

2) A história e as nações em ordem a Deus e à Igreja

3) A história, o livro da vida e os eleitos

4) Preâmbulos

• Prefiguração e preparação da Igreja no povo judeu

• Preparação da Igreja no mundo greco-romano

• O anseio geral de um Sóter

• Encarnação, vida e redenção do Messias

• Fundação da Igreja e do papado por Cristo

• Substituição da sinagoga pela Igreja e ab-rogação da lei antiga

5) Dos atos dos Apóstolos ao fim dos tempos apostólicos

6) O Império Romano, sua progressiva decadência moral, e o esvaziamento de sua religião

7) Os cristãos sob as perseguições sangrentas do fim do século I e de todo o século II

8) Os Apologetas e primeiros Padres da Igreja

9) O nascimento da heresia antes da morte dos Apóstolos

10) O gnosticismo, isto é, o conjunto de heresias do século II

11) O primeiro momento da luta contra a Igreja da trincheira da filosofia pagã

12) Das perseguições sangrentas do século III a seu fim

13) Querelas cismáticas

14) O segundo momento da luta contra a Igreja da trincheira da filosofia pagã

15) Estado da Doutrina Sagrada

16) A constituição da Igreja até Constantino, exclusive, e os sacramentos durante este período

17) A arte na Igreja dos mártires

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Minha participação no documentário de Bernardo Küster

                                                                                                                                Carlos Nougué

Foi lançado ontem o documentário de Bernardo Küster, “Eles estão no meio de nós”, sobre a Teologia da Libertação. Pois bem, aceitei há já mais de três anos conceder uma entrevista para o documentário. Bernardo esteve em minha casa, e gravamos muito mais do que aparece na versão final (só aparecem uns poucos minutos em que falo da distinção de Jacques Maritain entre indivíduo e pessoa e sua influência sobre várias heresias, incluída a da TL). Sucede porém que Bernardo não teria viajado cerca de 12 horas com o cameraman e seu pesado e delicado material para gravar comigo apenas alguns poucos minutos; além de que nem sequer este breve trecho está completo, mas editado. O centro de minha entrevista não foi a TL, mas o CVII, que de certo modo deu impulso à mesma TL. E no entanto a palavra “CVII” nem sequer aparece no trecho. Com isso, fica parecendo que endosso a posição central de Bernardo Küster e dos demais entrevistados, a saber, que o único verdadeiro mal do CVII foi não condenar o comunismo. Para eles, praticamente não há problema grave nos documentos do concílio, além de que teria havido dois concílios: o verdadeiro, e o propagado pela mídia, o vitorioso. É típico do liberal-conservadorismo: maniqueisti-camente, reduz todo o mal do mundo ao comunismo; e de fato sem este espantalho o liberal-conservadorismo, católico ou não, não sobreviveria. Ora, nada mais distante de meu pensamento sobre o comunismo (como se pode ver [no post anterior] por meu opúsculo “O católico tradicional e Bolsonaro”, e por toda a parte “Política teológica” de meu livro, Estudos Tomistasopúsculos II) e de meu pensamento sobre o CVII (como se pode ver por meu Do Papa Herético, por meu curso gratuito “A atual crise na Igreja”, por multidão de textos e de podcasts meus espalhados pela Internet). Não estou acusando Bernardo de tê-lo feito de propósito; seria temerário supô-lo. Mas o efeito é precisamente este: no documentário, meu pensamento aparece indiferenciado de uma massa doutrinal, liberal-conservadora, que nada tem que ver comigo. Lembre-se que que digo e redigo: Ou as nações se porão sob a bandeira de Cristo, ou serão sempre, sob governos de esquerda ou de direita, pasto de demônios. – Fique pois o esclarecimento.

Observação: apesar dos 70 anos que me pesam – bastante – sobre o corpo, minha memória continua elefantina.

domingo, 28 de agosto de 2022

Sermão sobre o Matrimônio, do Padre Álvaro Calderón

     

Fonte: Los Cocodrilos del Foso 

Tradução: Bruno Rodrigues da Cunha

    Nem tudo o que se encontra na Suma Teológica, de Santo Tomás, é exclusivamente para teólogos. Uma das pérolas mais acessíveis e úteis lá encontradas é seu pequeno tratado acerca dos bens do matrimônio.

Ele começa dizendo: “Nenhum homem sábio deve aceitar um prejuízo se ele não vier compensado por um bem igual ou maior”. E observa que o matrimônio traz juntamente consigo bens e males. Quem se casa aceita sofrer estes para alcançar aqueles.

Até essa frase, todos estão de acordo. Mas, daqui em diante — e é assustador percebê-lo — entre o que ensina Santo Tomás, resumindo toda a Tradição e bom senso católicos, e o sentir comum de hoje não há uma mera divergência, e sim uma total e exata inversão. Aquilo que para o Doutor da Igreja são males, agora são considerados bens, e os bens, males. Deixemos bem claro que falamos de pessoas que se consideram católicas, de forma sincera.

Embora devamos reconhecer que tanto nos tempos de maior fé, como na época de Santo Tomás, quanto nos tempos de muita incredulidade, como hoje, muitos renunciam ao matrimônio (claro, antigamente renunciavam antes do casamento para entregar-se a Deus, e hoje renunciam depois dele, para entregar-se a… sabe lá Deus). Ainda assim, tanto antes quanto agora, a grande maioria segue casando. E é curioso, porque, apesar dessa inversão exata de valores, o saldo continua sendo positivo.

Quais são, segundo Santo Tomás, os males que o casamento traz consigo? Em primeiro lugar, uma decaída da atividade espiritual, devido à veemência das paixões própria do trato conjugal. E em segundo lugar, a “tribulação da carne”, ou seja, as preocupações e os trabalhos ocasionados pelas necessidades temporais.

Contudo, esses não tão pequenos males são extensamente superados por três grandes bens: a prole, a fidelidade e o sacramento. São os filhos, a prole, o primeiro e o grande bem do matrimônio, aquilo pelo qual Deus o instituiu. O segundo bem é a fidelidade, pela qual o homem se une com uma única mulher, e a mulher com um único homem, tendo cada um no outro um apoio em que poderão confiar. E o terceiro bem, selo sagrado dos demais, é o sacramento, pelo qual o matrimônio se vê transformado por Deus em laço indissolúvel e fonte de santidade para toda a família.

Mas, ao contrário, o que move hoje muitos católicos a se casar? Principalmente os sentimentos e a paixão, que para um cristão só podem ser satisfeitos legitimamente dentro do matrimônio. E, em segundo lugar, as conveniências práticas: que haja alguém que varra a casa e faça a comida, ou alguém que dê um teto e comida. E, por essas razões, como homens sábios, aceitam a pesada carga dos poucos filhos, que escapam a seus cuidados; o resignar-se só exteriormente ao único cônjuge; e submeter-se como um condenado à cadeia perpétua da indissolubilidade.

Dissemos que percebemos, assustados, essa total inversão daquilo que é o matrimônio. Com terror! deveríamos dizer. Porque não se trata somente da perda das verdades de fé, o que já seria gravíssimo; senão da corrupção mesma da razão natural, o que é ainda pior. Um incrédulo pode se converter a Deus, mas um insensato não!

É evidente que para ter fé é necessário não estar louco. Mas, para ter a fé, não basta o uso da razão, mas também se faz necessário o uso correto da razão natural. Há uma relação mútua e estreita entre a fé e o bom senso das coisas naturais: nossa mente se eleva ao conhecimento dos mistérios divinos apoiada em comparações com as realidades naturais. E a luz desses mistérios faz com que compreendamos de um modo novo, muito mais profundo, as verdades das quais partimos. Essa é a explicação teológica do grande senso comum de um bom cristão, e da dificuldade de ser cristão àquele ao qual falta senso comum.

Não seria necessária a Revelação para saber que os filhos são a grande recompensa do matrimônio, que a fidelidade é um grande bem e que a indissolubilidade é, no mínimo, necessária. Mas somente a luz divina poderia mostrar aos fiéis a grandeza imensa desses bens. “Grande é esse sacramento”, exclama São Paulo falando do matrimônio, “mas o digo em Cristo e na Igreja” (Ef 5, 32). Somente ao mirar o mistério de amor e de união entre Cristo e sua esposa, a Igreja, podemos nos assegurar da grandeza do matrimônio cristão, já que ele é como um reflexo ou imagem daquele outro Grande Mistério de fecundidade, de fidelidade e de santificação.

Mistério de fecundidade: Cristo deu todo o seu Sangue para fazer fecunda a Igreja, e a Igreja ardeu em desejos de lhe dar filhos. Em todos os povos os engendrou, generosa, porque é Católica; e por ser Apostólica os deu à luz, incansável, em todos os tempos. Que pais verdadeiramente cristãos fariam delongas com o último de seus filhos, quando de tal forma Cristo os desejou!

Mistério de fidelidade: porque foi todo o seu Sangue o que Cristo deu, e nada guardou para si; não houve outra Igreja que pudesse ser objeto de seu amor. Por isso a Igreja é una, e com olhos para um único Senhor. É contemplando esse amor único, exclusivo porque é total, que os esposos cristãos aprendem a se amar: “maridos, amai vossas mulheres como Cristo amou sua Igreja, e, como a Igreja está sujeita a Cristo, assim as mulheres devem ser sujeitas a seus maridos em tudo” (Ef 5, 24-25).

Mistério de santificação: “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela para santificá-la”. É por sua união indissolúvel a Cristo na cruz que a Igreja é santa, e fonte inesgotável de santidade. Assim, o matrimônio cristão, elevado à dignidade de sacramento, é uma das sete fontes que derramam entre os homens a santidade que vem da cruz. Fonte de santidade na medida que é informada pela caridade e pelo espírito de sacrifício.

Os esposos católicos, neste tempo de confusão tão profunda e universal, devem mirar a Cruz, contemplar ali o mistério da união entre Cristo e a Igreja, para redescobrir a grandeza do matrimônio cristão. Seus filhos, um dia, ao ter em vocês a fiel imagem desse mistério de fecundidade, de fidelidade e de santificação, facilmente compreenderão por que a Igreja é Católica, Apostólica, Una e Santa.

Que difícil é compreender a esse par de sobreviventes do egoísmo de seus pais que a Igreja dê seu sangue em suas missões. Que difícil, quando veem separar-se aqueles que foram seus pais, para atirar-se em braços de estranhos, entender que Cristo não pode repartir seu amor em pedaços entre uma infinidade de seitas e religiões; e, por causa disso, que difícil descobrir que o ecumenismo conciliar é uma mentira. Que difícil acreditar que somente na Igreja se possa nascer e crescer, que ela seja o único lugar para a vida da graça, quando nunca sentiram, coitados, o calor de uma família. 

Padre Álvaro Calderón 

Fonte: aqui .

sábado, 20 de agosto de 2022

“Indiferentes à Missa nova?”, pelo Padre Álvaro Calderón


Dois ritos diferentes coexistindo para a celebração da Missa. Realmente devemos considerá-los como duas expressões de uma mesma coisa? Certamente isso não é uma questão de gosto: é a fé católica que está em jogo. Lembremo-nos de como devemos julgar a missa reformada de 1969.

Fonte: FSSPX/Distrito da América do Sul – Tradução: Dominus Est 

Muitos problemas seriam resolvidos se fossemos ao menos indiferentes à Nova Missa. De Roma não nos pedem outra coisa. De tantos católicos perplexos com a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, muitos acreditaram que o mal do novo rito viria apenas da maneira de celebrá-lo e os peregrinam pelas paróquias buscando padres, sempre poucos, que celebrem com piedade e não deem a comunhão nas mãos. Outros, melhor informados, sabem que a diferença não está nos modos do sacerdote, senão no próprio rito e reivindicam a Missa tradicional argumentando, com alguma hipocrisia, o enriquecimento que implica a pluralidade de ritos: o novo é bom, mas o antigo também, melhor então ficar com os dois!

Embora não haja tolos em Roma, toleraram essa conversa nos grupos tradicionais que se amparam (1) na Comissão “Ecclesia Dei”. Além disso permitiram aos Padres tradicionalistas da diocese de Campos, no Brasil, que ficassem com seu rito tradicional mesmo dizendo que a Nova Missa é “menos boa”. Mas em Roma  nossa Fraternidade porque causa incômodo, porque não só não diz que a missa nova é boa, mas a combate como perversa, incomodando a perplexidade que mesmodepois de quarenta anos de Concílio tantos católicos não deixam de padecer. Se, ao menos, fôssemos indiferentes – que os outros rezem como queiram – Roma nos deixaria em paz. 

Podemos ser indiferentes à Nova Missa?

Na véspera de sua Paixão, havendo chegado a hora de oferecer seu sacrifício redentor a seu Pai, Nosso Senhor fez uma aliança com Sua Igreja: Hæc quotiescumque feceritis, em mei memoriam facietis (Lembre-se de que morri por vossos pecados, que me lembrarei de vós na presença do Pai). E, sendo Deus, nos deixou o imenso mistério da Missa, pelo qual seu Sacrifício permanece sempre vivo, sempre novo, permitindo-nos assistir como ladrões arrependidos: Memento Domine, famulorum famularumque tuarum (Lembra-te, Senhor, de nós agora que estais em seu Reino).

A memória viva da Paixão que se renova pela dupla consagração graças aos poderes do Sacerdócio, a união misteriosa com a Vítima Divina que se realiza pela comunhão é a única maneira que tem o coração duro do homem para retornar ao amor de Deus, porque nada chama tanto ao amor como conhecer-se muito amado, e a Paixão de Nosso Senhor foi a maior demonstração de amor: ninguém ama mais do que aquele que dá a vida por seu amigo. É por isso que a obra da Redenção que Cristo realizada na Cruz não se faz eficaz para nós senão graças ao Sacrifício da Missa.

Ora, assim como não pode haver indiferença perante a Cruz de Cristo, tampouco pode haver perante o rito que renova seu Sacrifício. Quem não está comigo está contra mim, disse Nosso Senhor, e esta lei foi imposta pela Paixão. Posso passar reto por um vendedor se não necessito do que ele oferece; mas não posso ignorar um homem ferido porque ele precisa de mim. Não é um pecado evidente a indiferença ante a Jesus dos Milagres, pois posso dizer com São Pedro: retira-te de mim, pois sou pecador; mas é uma traição horrível dizer: não conheço tal homem, perante Jesus Crucificado. É a Cruz de Nosso Senhor que nos obriga a tomar partido, não me é permitido deixar de lado Aquele que morre pelos meus pecados!

O novo rito, criado sob Paulo VI para substituir o bimilenar rito romano da Santa Missa, suprimiu o escândalo da Cruz: evacuatum est scandalum crucis! A intenção imediata que guiou a reforma da missa foi o ecumenismo: criar um rito suficientemente ambíguo para ser aceito pelos protestantes mais “próximos” ao catolicismo; mas a intenção final foi suprimir a espiritualidade dolorosa da Cruz, porque sua negatividade supostamente repele o homem moderno.

É assombroso, mas se nossa religião remove o escândalo da Cruz, cessa a perseguição e os judeus são os primeiros a aceitar o diálogo ecumênico. São Paulo apontava esse mistério aos Gálatas, tentados a judaizar, acreditando que fosse necessário circuncidar-se:

“Quanto a mim, irmãos, se ainda prego a circuncisão (como falsamente dizem os que vos seduzem), por que sou ainda perseguido? Logo, cessou o escândalo da cruz”!

Como mostra o livrinho sobre o problema da reforma litúrgica, da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, a teologia subjacente à missa de Paulo VI obscurece a Paixão de Nosso Senhor para permanecer apenas com as alegrias da Ressurreição: supera o Mistério da Cruz com a nova estratégia do Mistério Pascal. Repete-se o que aconteceu quando Jesus anunciou pela primeira vez sua paixão:

Tomando-o Pedro aparte, começou a increpá-lo, dizendo: “Deus tal não permita. Senhor; não te sucederá isto”. (Mt 16, 22)

Visto com olhos muito humanos, com Cristo ressuscitado a Igreja pode entrar no mercado deste mundo, que morre em todos os lugares, com um produto de luxo: a esperança da ressurreição; mas com o Crucificado, todos os sermões devem começar como o primeiro de São Pedro, reprovando perigosamente aos poderosos deste mundo: “Vós o matastes” (Atos 2:23 ). Mas, qual foi a reação de Nosso Senhor ante a mudança de estratégia de mudança que lhe proporia seu Vigário?

Retira-te de mim, Satanás! Tu serves-me de escândalo, porque não tens a sabedoria das coisas de Deus, mas dos homens.”.

Em todos esses anos de resistência às transformações litúrgicas, dentre as fileiras dos perplexos emergiram muitos cruzados – bem ou mal intencionados, só Deus sabe – que, fazendo uso da boa teologia, defenderam que a reforma não é tão ruim como a retratamos. Vimos publicada até mesmo uma piedosa explicação da Missa Nova em que se mostra a história dos ritos como se nada tivesse mudado entre Paulo VI e São Gregório Magno.

Por que, então, reclamamos tanto! O que aconteceu foi que ficaram perplexos justamente os católicos que não conheciam muito bem as correntes subterrâneas da teologia modernista que, embora condenada e perseguida pelos papas antes do Concílio, foram ganhando terreno até instalarem-se no Vaticano, graças ao apoio de João XXIII e Paulo VI.

O pensamento que guiou as reformas, na sua raiz e na sua coerência interna, é verdadeiramente satânico, e infelizmente, não exageramos! É verdade que os materiais com os quais o novo rito foi construído vêm, em sua maior parte, da demolição do antigo; e, por isso, ante um olhar superficial – muito superficial! – parecem semelhantes: ato penitencial, leituras, repetição das palavras de Cristo, comunhão, benção final, tudo em castelhano português e de forma confusa. Acaso tudo isso seria tão diferente?

Sim, é totalmente diferente. Se tantos católicos que batizamos com o insultante, mas merecido título de “neocons”(2), vissem claramente como é e o porquê do rito da Nova Missa, certamente deixariam a indiferença sob a qual esconderam para juntarem-se ao clamor para que os altares das igrejas voltem a ser Calvários.

O livrinho sobre a Reforma que mencionamos, mostra minuciosamente qual é a teologia que anima a Nova Missa. O primeiro (satânico) princípio é que Deus, sendo imutável, não sofre danos pelos nossos pecados, de modo que por mais que pequemos, não deixamos de ser filhos amados, e basta que nos arrependamos para que tudo seja esquecido, sem exigir de nós reparação ou satisfação alguma por danos e prejuízos.

É muito interessante. Imaginemos um banqueiro com capital infinito: basta que peçamos perdão e fiquemos com a coisa roubada, porque em suas contas nunca aparece a subtração. Este pequeno sofisma  remove imediatamente a necessidade da Cruz – e também da própria Encarnação – porque o Verbo se fez homem e morreu por nós para reparar nossos pecados. O rito tradicional está profundamente marcado pela dívida da justiça que temos com Deus, é uma liturgia de “publicanos” sempre necessitados da redenção:

“Meu Deus, tem piedade de mim pecador”. (Lc 18, 13).

O novo rito, ao contrário, removeu todas as expressões com finalidade propiciatória, considerando que os fiéis, depois de pedir o perdão inicial, já estão santificados, podendo fazer sua a oração do fariseu: “Graças te dou, ó Deus, porque não sou como os outros homens”. Aquele que olha para o novo rito com medo de achar defeitos, pode facilmente negar essa intenção, porque a liturgia não prega sua doutrina em linguagem científica, e sim encarnada em gestos e imagens. Contudo basta ir aos livros dos teólogos que a fizeram e poderá comprovar a grande advertência com que dirigiram essas mudanças.

Como a paixão e a morte de Cristo perdem o sentido se o pecado não exige reparação, elas foram escondidas sob o conceito de Páscoa ou “passagem“, ou seja, a morte não seria mais do que a passagem para a Ressurreição. A consequência litúrgica é que a Missa não é mais um rito sacrificial que renova o Calvário, mas um duplo banquete que antecipa a alegria  dos ressuscitados.

Às vezes nos custa aceitar que até haja sacerdotes que não reconheçam a enorme diferença que há entre o antigo rito sacrificial e o novo banquete. O rito tradicional tem uma parte preparatória ou antemissa, que termina no Credo, e há três partes integrais: o oferecimento ou ofertório, a imolação pela dupla consagração e a comunhão com a Vítima Divina.

O novo rito, no entanto, segue um caminho absolutamente diferente: consiste em duas partes paralelas, a liturgia ou a “mesa” da Palavra e a mesa da Eucaristia, da qual a primeira não é a menos importante. Isto já é uma novidade absoluta, como uma simples preparação pode substituir em importância o que era propriamente a Missa?

E as três partes da liturgia da Eucaristia já não são as de um sacrifício, mas uma refeição: apresentação dos alimentos, ação de graças e a refeição propriamente dita. O que há de semelhante com o Santo Sacrifício da Missa? São somente os materiais de demolição. As “palavras da consagração” não são mais consideradas como tais, mas agora são apenas uma recordação dos gestos e palavras de Cristo, por cuja “memória” se faria objetivamente presente o Kyrios, o Senhor da glória com seus mistérios. É muito difícil para aqueles que foram formados na doutrina clássica entender essa nova linguagem – sabemos por experiência – e lhes custa acreditar que se pense o rito de forma tão diferente. É assim entre nós discutimos se remover o Mysterium Fidei da fórmula da consagração ou o tom narrativo invalida ou não a transubstanciação, mas para o novo rito esta discussão não tem sentido, porque para ele a presença de Cristo é efetivada por outro mecanismo: o poder evocativo do memorial. É difícil acreditar? Por exemplo: em Roma pôde ser considerada válida uma anáfora, a de Addai e Mari, sem as palavras da consagração. Evidentemente, sob o nome de Missa nova ou antiga estão sendo entendidas coisas muito, mas muito diferentes.

A nova teologia, que não é mais que um novo disfarce do camaleônico modernismo condenado por São Pio X, toma como instrumento o pensamento moderno, anti-realista e antimetafísico, para reinterpretar a Revelação ao gosto do “homem de hoje“, uma criatura mitológica inventada pelos meios de comunicação. Assim, eles pretendem substituir a profunda teologia sacramental, levada tão alto por Santo Tomás e canonizada em muitos dos seus pontos pelo magistério da Igreja, com o confuso simbolismo dos pensadores modernos, que esvazia da realidade todos os mistérios e os deixa flutuando em uma esfera imaginária de puros conceitos. Para ela, não há apenas sete sinais sacramentais, mas tudo é “símbolo”: Cristo é sacramento, a Igreja é sacramento, a Escritura, a realidade, tudo o que percebemos se transforma em puro sinal de um mistério indefinível.

A realidade da transubstanciação, da união hipostática, do caráter sacerdotal, da graça santificante, tudo desaparece diante dessa maneira de pensar. E este é o pensamento que anima a Nova Missa. Cristo está presente na assembleia dos fiéis, na Sagrada Escritura, no ministro que presidente, no Pão Eucarístico, mas todas essas presenças se confundem em uma mesma, que resulta tão confusa e indefinível, que se desvanece: se Cristo está tanto no meio, no livro, no Padre, na Hóstia, se está em toda parte, não está em nenhuma! E os fiéis o encontram tanto nas igrejas como na rua.

A alma da Nova Missa é uma alma perversa. Os católicos que se esforçam em ver nela apenas os materiais de demolição, tentando reconstruir em sua cabeça a figura do rito tradicional, podem não percebê-la e atenuar os danos causados ​​por sua presença. Certamente não se trata de uma substância viva e é necessário dar-lhe vida por certa compreensão do que seus ritos significam. Mas as formas sensíveis têm sua força e o homem não pode resistir por muito tempo a elas. Assim como não se pode frequentar as discotecas sem a erosão da honestidade, tampouco pode frequentar um rito modernista sem o desgaste da fé.

Assim é, ao menos, para o mais comum dos mortais. E estamos olhando para um único lado da moeda, porque devemos ter em mente que os ritos tradicionais são “sacramentais“, isto é, são formas sensíveis com uma alma sagrada, que transmitem graças atuais quando recebidas com fé. Qualquer fiel católico pode unir-se à Missa ainda que à distância, mas se a Igreja mandou, sob pecado, que a cada domingo se assistida, é justamente pela eficácia santificadora de seus ritos, que predispõem a alma a unir-se mais eficazmente ao Santo Sacrifício. Por ter suprimido o rito tradicional, a fé dos católicos definha; por ter instalado um ritual modernista se propaga eficazmente – se torna mais um gesto do que um silogismo – um espírito carismático profundamente contrário ao catolicismo autêntico.

Não podemos ser indiferentes à Nova Missa, não podemos permitir que a Cruz de Cristo seja suprimida como se ninguém tivesse matado Nosso Senhor. Ratzinger(3) disse que o “homem de hoje” não é capaz de compreender o sacrifício e deve-se falar em outra linguagem. É completamente falso. Um mero filme sobre a Paixão atraiu pessoas que já não iam mais à igreja, porque a única coisa que pode nos comover é o Sangue de Nosso Senhor.

Quando pensamos em tantos cristãos que estão de banquete perante o Calvário, parecemos sentir a queixa de Nosso Senhor:

Tornei-me um estranho para os meus irmãos, e um desconhecido para os filhos de minha mãe. Falam contra mim os que se sentam à porta, e escarnecem-me os que bebem vinho”. (Salmo 68).

Sim, eles não sabem o que estão fazendo. Tampouco sabia a população manipulada pelos judeus na sexta-feira santa, mas não é muito diferente o tratamento que Jesus Cristo sofreu em sua Via Crucis daquele que agora sofre com a comunhão na mão. Católicos, assistir ao drama da paixão sem reação é pecado!

Não se pode assistir calado a uma Missa que pretende ignorar o Crucificado, que canta alegremente perante sua dor, que coloca as mãos não consagradas em tudo o que há de mais sagrado: sacerdote, altar, missal, sacrário e até o corpo divino…. tudo e por todos é manuseado. Quantos males cometeu o inimigo nos nossos altares! Mas não cessaremos de lutar até a abominação desoladora cessar nos lugares santos. 

Pe. Álvaro Calderón

 Tirado da revista “Iesus Christus” nº 97, correspondente ao bimestre de janeiro / fevereiro de 2005.

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