quinta-feira, 16 de novembro de 2023

“Da Realeza Social De Cristo”, novo curso de Carlos Nougué

Curso de três meses ao vivo, com 12 aulas de uma hora cada uma (+ meia hora para solução de dúvidas), ou seja, uma por semana.

Valor total (por pagar-se no ato de inscrição): R$ 300,00.

• Número de alunos por turma: 5 (cinco), nem mais nem menos.

• Horário das aulas: sempre às 20 h.

• Início da primeira turma: quinta-feira 30 de novembro de 2023.

Ementa:

1) A doutrina das duas espadas até Bonifácio VIII

a) Pelos doutores e teólogos

b) Pelo magistério da Igreja

c) Duplo modo da infalibilidade desta doutrina

2) A doutrina pelas lentes de S. Tomás de Aquino

3) A deformação da doutrina magisterial e tomista

4) Estado e Igreja: duas sociedades perfeitas? ou se o magistério se contradisse a si mesmo

5) A retomada tomista por Leão XIII

6) A Quas primas de Pio XI, a carta magna da cristandade

7) De Maritain ao Vaticano II

8) Se o mundo voltará a cristianizar-se

a) Segundo o magistério da Igreja

b) Segundo os doutores e teólogos

c) Nossa opinião

d) Os milenarismos

e) O Apocalipse de São João

Observação: os interessados devem escrever-me para:

carlosnouguefilosofia@gmail.com .

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Sobre a edição das “Questões Disputadas sobre a Verdade”, de S. Tomás, pela Ecclesiae


Carlos Nougué 

    Quando, com suas quase mil páginas, esta obra foi lançada pela Ecclesiae, e depois de dar uma olhada muito superficial na tradução, saudei-a publicamente. E não deixo de fazê-lo ainda agora, depois de tê-la lido efetiva e mais detidamente; afinal, é algo de que o tomismo, e em particular seus estudantes, necessitava no Brasil, além de que não deixa de ser louvabilíssimo o trabalho árduo e – vê-se – honesto do tradutor. Mas tampouco posso deixar de assinalar, também publicamente, problemas desta tradução, porque tenho responsabilidade diante da multidão de meus alunos dispersa por meus vários cursos e outros meios.

Em meu último livro lançado, No Fragor da Batalha, incluí um escrito (“Termos e expressões de Santo Tomás”) em que relaciono o que não se deve traduzir de seu latim, mas deixá-lo em itálico com a devida explicação em nota de rodapé. Entre tais termos e expressões, estão simpliciter (que quer dizer pouco mais ou menos ‘pura e simplesmente’, ‘em termos absolutos’) e per se (que em alguns casos deve traduzir-se por “por si”, mas em outros não, porque aqui quer dizer pouco mais ou menos ‘em termos essenciais’ e se contrapõe a per accidens [‘acidentalmente, não essencialmente’], expressão que tampouco deve ser traduzida, porque “acidente” tem conotações em português que não convêm com a expressão). Pois bem, já na página 42 da referida tradução (mas multiplicando-se ao longo do volume) aparecem traduções inconvenientes justamente destes dois termos. Vejamo-las o mais brevemente possível.

a) “Ademais, alguma coisa se diz ser DE MODO SIMPLES, enquanto ela está naquilo que lhe confere sua completude.” Lê-se em latim: “Praeterea, secundum hoc dicitur esse aliquid SIMPLICITER, secundum quod est in sui complemento”. Note-se que traduzir aqui SIMPLICITER por “DE MODO SIMPLES” implica destruir o sentido mesmo da oração, fazendo-a absurda. Se fôssemos traduzir o termo que é melhor deixar em latim, o que o nosso Santo quis dizer é pouco mais ou menos o seguinte: “Diz-se que algo é [ou seja, existe e é o que é] PURA E SIMPLESMENTE ou EM TERMOS ABSOLUTOS quando esse algo está em seu estado completo”. Mas obviamente nossas palavras para traduzir simpliciter, ainda que acertadas, não expressam perfeitamente o que expressa o termo latino.

b) “Dizia-se que o universal não se corrompe por si, mas por acidente.” O que o leitor que não conhece latim nem o latim de Tomás tenderá a pensar? Que “o universal não se corrompe por si mesmo, por sua conta, sem intervenção de outrem, mas só quando sofre algum acidente”. Mas veja-se o latim: “Sed dicebat, quod universale non corrumpitur PER SE, sed PER ACCIDENS”. Antes de tudo, diga-se que já a não tradução da palavra inicial da frase latina, sed, desfigura o esquema da disputatio, porque este sed (“mas”) introduz nela uma réplica, a que se seguirá, ato contínuo, uma contrarréplica em forma de sed contra. Mas o pior é que o per se não quer dizer ‘por si’, mas pouco mais ou menos ‘essencialmente falando’, ou no máximo, se se insiste em traduzi-la, “de si”. Semelhantemente, per accidens quer dizer pouco mais ou menos ‘em termos acidentais, não essenciais’. Mas vê-se sem dificuldade como, com as devidas explicações em nota de rodapé ou num glossário prévio, a frase fluiria se posta assim em nossa pobre língua: “Mas dizia-se que o universal não se corrompe per se, mas per accidens”.

Por outro lado, na tradução de uma obra filosófica ou teológica deve respeitar-se maximamente a tradição terminológica. O nosso tradutor do De veritate, no entanto, põe na página 43 a seguinte frase: “Mas, em contrário, uma coisa é o Pai ser Pai, e outra coisa é o Filho ser Filho e SOPRAR o Espírito Santo”. Quer traduzir desse modo o seguinte: “Sed contra, alio pater est pater et generat filium; alio filius est filius et SPIRAT spiritum sanctum”, que todavia se traduz corretamente assim: "Mas, em contrário, uma coisa é que o Pai seja o Pai e gere o Filho; outra coisa é que o Filho seja o Filho e ESPIRE o Espírito Santo”. Trata-se da ESPIRAÇÃO [não "expiração"] como propriedade ou noção. Colocar “SOPRA” em vez de “ESPIRA” supõe dizer que há SOPRO na processão divina, termo que não traduz precisamente a noção e, ademais, implica um rebaixamento do nosso texto ao vulgar. Parece uma firula; mas não o é: usa-se desde sempre “ESPIRAR” até para manter a coisa quase como no latim: “SPIRAT SPIRITUM”. Não é difícil notar que SPIRAT não só é da mesma família que SPIRITUM, mas cabe quase inteiro nesta palavra. Entendamo-lo melhor com esta passagem de S. Tomás no Compêndio de Teologia:

“CAPÍTULO 57

DAS PROPRIEDADES OU NOÇÕES EM DEUS,

E QUANTAS SÃO NO PAI

Existente em Deus [...] tal número de Pessoas, é necessário que haja também certo número de propriedades pelas quais as Pessoas se distingam entre si. Três aparecem como convenientes ao Pai. Uma pela qual se distingue só do Filho, e esta é a paternidade; outra pela qual se distingue dos dois, ou seja, o Filho e o Espírito Santo, e esta é a inascibilidade, porque o Pai não é Deus procedente de outro, ao passo que o Filho e o Espírito Santo procedem de outro; a terceira pela qual o mesmo Pai com o Filho se distinguem do Espírito Santo, e esta se diz espiração comum. Mas não se há de assinalar nenhuma propriedade pela qual o Pai difira do Espírito Santo só, porque o Pai e o Filho são um único princípio do Espírito Santo, como se mostrou [c. 49]”.

Fico por aqui, insistindo: o que acabo de escrever não visa a nada mais que alertar para a correta maneira de entender e de traduzir S. Tomás (e a filosofia e a teologia em geral); não que eu mesmo não esteja sujeito a erros de tradução  falo em termos gerais. Para fazê-lo, é preciso profundo conhecimento não só do latim e da língua para a qual se traduz, mas também da mesma doutrina do nosso Doutor Angélico – até porque é uma temeridade não ser fiel a um quasi anjo.