quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

AINDA SOBRE SE SE DEVE IR A QUALQUER MISSA TRIDENTINA


Carlos Nougué

Algumas (algumas!) vozes tradicionalistas criticam-me o ter dito que se pode e se deve ir a qualquer missa tridentina, como o faço eu mesmo. Pois reafirmo a posição. Uma coisa é alertar do perigo de que em sermões dessas missas padres modernistas destilem entre os fiéis doutrinas errôneas; e não cesso de mostrar as doutrinas nefastas que foram vitoriosas no CVII, como o podem confirmar todos os que me leem diariamente ou leem meus livros ou veem meus vídeos. Mas quem disse que não existia tal coisa antes do concílio? Não havia então padres modernistas a destilar suas más doutrinas nos sermões? Estava proibido assistir a missas de um Bea, de um Bugnini, de um Rahner? Ora, a missa tridentina é POR SI uma lição da mais perfeita teologia; e por isso mesmo é que os modernistas a substituíram pela missa nova, esse veneno POR SI tão perigoso para a fé. Deve-se até dizer que um bom sermão numa missa nova não a salva; pois deve dizer-se também que um mau sermão é incapaz de perder uma missa tridentina. Não deixa de ser perigosíssimo, e há que constantemente alertar disso os fiéis; mas, repita-se, não perde uma missa tridentina.
Depois, senhores, uma simples questão de bom senso. Quantos são os padres tradicionalistas? São capazes de celebrar a missa tridentina a todos os fiéis que desejam assistir a ela? NEM DE LONGE. Consequência: se só se deve assistir a missas tridentinas de padres tradicionalistas, então que os católicos que não sejam atendidos por estes padres continuem a assistir a missa nova! Isto é, sim, uma sorte de neodonatismo, e não contribui nem minimamente para ajudar os fiéis a (re)encontrar a tradição.
E por fim: Dom Lefebvre disse algo contrário ao que digo? Antes de tudo, deve-se ver em que contexto o fez. Depois, diga-se que, se tenho a Dom Lefebvre por referência ótima ou primeira quanto à crise da Igreja, isso não quer dizer que ele fosse inerrante -- o que deveria ser óbvio para todos.

Observação: o que disse da missa nova não diz respeito à sua validade ou invalidade, que estudarei no livro Da Missa Nova.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

OS DOCUMENTOS CONCILIARES CONTÉM DESVIOS DA FÉ, SIM!


Carlos Nougué


Não é incomum entre os próprios tradicionalistas (como Michael Davies) afirmar que os documentos do Vaticano II não contêm “heresias formais”, mas antes ambiguidades ou, nas palavras de D. Marcel Lefebvre, “bombas-relógio”. É que, segundo tais tradicionalistas, o Espírito Santo não permitiria que um concílio aprovasse “heresias formais”. Pois bem, no livro Do Papa Herético mostro tanto o equívoco do conceito de “heresia formal” quanto o fato de que esses documentos contêm, sim, não só bombas-relógio, mas efetivos desvios da fé (o argumento quanto à ação do Espírito esquece o fato de que o CVII e o magistério ligado a ele devem reduzir-se praticamente a magistério privado, ou seja, na maioria das vezes não se trata sequer de magistério meramente autêntico). É o caso do Decreto Ad Gentes, com suas heréticas “sementes do verbo”, e é o caso também, entre muitos outros, do “Decreto sobre o Ecumenismo”. Lê-se neste, com efeito: “Ao compararem as doutrinas, não esqueçam que há uma ordem ou uma 'hierarquia’ das verdades na doutrina católica, dado que é diversa sua conexão com o fundamento da fé cristã”. É evidente a intenção: que a Imaculada Concepção de Maria ou sua Assunção, por exemplo, não sirvam de pedra de tropeço para o ecumenismo com os protestantes. Mas, afinal, quem sou eu para dizer que tal passagem implica desvio da fé? Não sou eu quem o diz, mas Pio XI em Mortalium animos: “De modo algum é lícito estabelecer aquela diferença entre as verdades da fé que chamam fundamentais e não fundamentais, como gostam de dizer agora, das quais as primeiras deveriam ser aceitas por todos, e as segundas, ao contrário, poderiam deixar-se ao livre-arbítrio dos fiéis; pois a virtude da fé tem sua causa formal na autoridade de Deus revelador, que não admite nenhuma distinção desta sorte”. -- É que de fato, como o diz o Pe. Calderón, os documentos conciliares têm três notas principais: confusão, conexão (entre si), e proscrição, ou seja, sua doutrina já fora condenada pelos papas anteriores.

SE É VERDADE QUE A REFORMA LITÚRGICA TRAIU A "CONSTITUIÇÃO SOBRE A SAGRADA LITURGIA" DO CVII

Carlos Nougué

Pio VI condenou esta "definição" do sínodo jansenista de Pistoia: "Depois da consagração, Cristo encontra-se verdadeira, real e substancialmente presente sob as aparências de pão e de vinho e toda a substância do pão e do vinho desapareceu, e permanecem só as aparências". Por que a condenou, se parece tão ortodoxa? Por ter omitido o termo "transubstanciação", que fora usado por Trento para definir o modo da presença eucarística de Cristo. Pois tal omissão se repetiu na Constituição sobre a Sagrada Liturgia do CVII.
Ademais, na Mediator Dei Pio XII define a Liturgia pondo que é FUNDAMENTALMENTE um ato de culto tributado por Cristo, como cabeça da Igreja, ao Pai celestial (enquanto os fiéis o tributam a Cristo e, por meio deste, ao Pai celestial). Mas na Constituição sobre a Sagrada Liturgia do CVII o centro da Liturgia se desloca perceptivelmente para a participação dos fiéis, que na Mediator Dei se considerava importante, sim, mas não essencial (razão por que segue sendo ato de culto perfeito a missa privada, sem a presença de fiéis).
E muito mais, que tratarei no livro Da Missa Nova. Mas já é possível ir vendo que a reforma litúrgica que deu nascimento à missa nova não traiu o documento conciliar quanto ao essencial. Outro assunto é como é possível que um mesmo homem, Paulo VI, tenha escrito em 1965 a ortodoxa Mysterium Fidei e tenha aprovado uma reforma litúrgica que chegou a suprimir da forma da consagração do vinho a própria expressão "mysterium fidei". No referido livro mostrarei que comportamentos como este, aparentemente esquizoides, são porém o característico da própria "hermenêutica da continuidade" (cujos expoentes, além de Paulo VI, foram João Paulo II e Bento XVI).




Escreveu Monsenhor Gaume no século XIX:


“Arrancando-se-lhe a máscara, pergunte-se à Revolução: ‘Quem és tu?’, e ela dirá: ‘Eu não sou o que pensam. Muitos falam de mim e poucos me conhecem. Não sou o carbonarismo, nem o motim, nem a troca da monarquia pela república, nem a substituição de uma monarquia por outra, nem a perturbação momentânea da ordem pública. Eu não sou os latidos dos jacobinos, nem os furores de Montaigne, nem a guerrilha, nem a pilhagem, nem o incêndio, nem a reforma agrária, nem a guilhotina, nem as execuções. Não sou Marat, nem Robespierre, nem Babeuf, nem Mazzini, nem Kassuth. Esses homens são filhos meus, mas não eu. Essas coisas são obras minhas, mas não eu. Esses homens e essas coisas são passageiros, mas eu sou permanente. Eu sou o ódio a toda ordem que não tenha sido estabelecida pelo homem e em que ele não seja ao mesmo tempo rei e deus. Sou a proclamação dos direitos do homem sem respeito pelos direitos de Deus. Sou Deus destronado e o homem posto em seu lugar. Eis por que me chamo Revolução, eis por que me chamo Subversão”.




MEU RITMO E DISCIPLINA DE TRABALHO E DE ESTUDO

Carlos Nougué

Um aluno da “Escola Tomista” pediu-me que lhe descrevesse o que se diz no título acima, e que o tornasse público, porque talvez pudesse ajudar a muitos. Não é fácil atender-lhe o pedido. Mas o tentarei, como abaixo.
1) Diga-se antes de tudo que o ritmo e a disciplina de trabalho e de estudo são, estritamente, individuais e dependentes de singularidades psicossomáticas e de condições relativas ao estado próprio (laico, ou religioso, ou sacerdotal). Portanto, o que escreverei não é de imitar, e sobretudo não se deve imitar se isto implica subtração aos deveres de estado próprio ou aos deveres religiosos. Que o que vem a seguir sirva apenas de estímulo e de certo norte.
2) Comecei a estudar o platonismo, o aristotelismo, o agostinismo, o tomismo aos 45 anos, mas aos 48 se me tornaram péssimas as condições para tal: devia traduzir e escrever dicionários durante cerca de 16 horas diárias para sustentar o tratamento contra o câncer de minha primeira esposa. Dois anos depois ela faleceria, e eu voltaria aos estudos.
3) Então fui progressivamente aumentando o tempo de estudos, que passou a ter uma média diária de sete horas. Note-se porém que desde então já não tenho televisão, desprezo os noticiários políticos, e apenas uma vez por semana tento dar uma olhada geral nas notícias, com leitura meramente oblíqua. (Ademais, não ponho uma gota de álcool na boca, razão por que, segundo Chesterton, não devem confiar em mim...) E desde então deixei o estudo para a noite/madrugada, ao final da qual passei a escutar durante uma hora mais ou menos música clássica ou ver um filme de qualidade. Mas note-se outra vez: sempre fui de dormir muito pouco: quatro, cinco horas sempre, desde criança, me foram bastantes.
4) Aos 52 voltei a casar-me, e voltei a um ritmo intenso de traduções e de escrita de dicionários, com o que tive de diminuir consideravelmente o tempo de estudos. Mas logo Deus me dadivaria uma bela surpresa: passei a dar aulas numa pós-graduação de Tradução e de Língua Portuguesa que só me ocupavam três dias (quase inteiros) na semana e me permitiram abandonar pouco a pouco a tradução e os dicionários. Voltei a mergulhar intensamente nos estudos, e comecei a suportar, nos dias em que não dava aula, cerca de dez horas de estudo, sempre com o reconforto posterior da boa música ou do bom cinema (da boa literatura já me ocupara até os 45 anos).
Observação: obviamente, há o imprescindível tempo reservado a sacramentos e orações, sempre ineludíveis, e, em meu caso, ao convívio familiar.
5) Como contudo nada dura para sempre nesta vida, fechou-se 10 anos depois a pós-graduação em que dava aula, problema que, se de início foi um baque, logo depois se superou. É que eu já estudara suficientemente, e na devida ordem das disciplinas, para dar cursos online de tomismo. Comecei com “Por uma Filosofia Tomista”, a que se seguiram outros. E continuava com meu ritmo de dez horas de estudos diários, com o refresco posterior da boa música, etc.
6) Não tardou todavia a que me julgasse capaz de escrever livros, e lancei meus dois primeiros: a Suma Gramatical da Língua Portuguesa (que me propicia um bom rendimento) e Opúsculos Tomistas (esgotado e sem previsão de reedição). Mas então diminuiu o tempo de estudo: passei a escrever durante dez horas diárias meus livros, e os estudos caíram para cerca de quatro horas diárias.
7) O próximo passo foi fundar a “Escola Tomista”, que é desde então meu principal ganha-pão e me permitiu escrever dois outros livros: Do Papa Herético e outros opúsculos e, o mais importante até hoje, Da Arte do Belo, sempre com a mesma relação horária entre escrita e estudos. A “Escola Tomista” me toma no máximo três horas semanais.
8) Como no entanto esta vida é um vale de lágrimas, fiquei muito doente no início do ano passado (sobretudo por um enfisema devido aos muitos cigarros que fumei até os 54 anos, e a uma dolorosa doença neurológica que tem algo de hereditária). No ano passado não consegui terminar de escrever nenhum novo livro, conquanto nunca tivesse parado de estudar seis, sete, oito horas nem de gravar as aulas da “Escola Tomista”, mesmo doente.
9) Este ano -- quando farei 68 anos -- estou melhor, e, conquanto tenha agora de lutar contra os efeitos colaterais de multidão de remédios -- sobretudo a sonolência --, pretendo lançar ao menos quatro livros (incluindo a atrasadíssima “Suma Retórica”, perdão). Se Deus quiser.
Observação final: não é difícil ver que aprendi algo com o mestre Tomás de Aquino: a busca da verdade, os estudos para tal, os livros escritos para tal são também um louvor a Deus. Viver para isto – junto sempre, é claro, dos sacramentos e das orações e dos deveres de estado, os quais vêm antes de tudo – é também honrar o nosso Criador, além de à nossa mesma natureza. Com efeito, diz Tomás de Aquino no proêmio de seu “Das Substâncias Separadas” que não por estar impossibilitado de comparecer ao ofício solene de louvor aos Anjos ele deixaria passar em branco o tempo de sua devoção: compensaria sua ausência no ofício escrevendo sobre eles (“Quia sacris Angelorum solemniis interesse non possumus, non debet nobis devotionis tempus transire in vacuum; sed quod psallendi officio subtrahitur, scribendi studio compensetur”).