segunda-feira, 22 de junho de 2015

A Marcha do Filosofar (em resposta a pergunta de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


PERGUNTA DO ALUNO

Tenho uma dúvida e não sei se é fora do contexto. Se for fora de contexto, não precisa responder.  Vi em um site recomendado por um amigo, os seguintes elementos de técnica filosófica:
"1. A anamnese pela qual o filósofo rastreia a origem das suas idéias e assume a responsabilidade por elas.
2. A meditação pela qual ele busca transcender o círculo das suas idéias e permitir que a própria realidade lhe fale, numa experiência cognitiva originária.
3. O exame dialético pelo qual ele integra a sua experiência cognitiva na tradição filosófica, e esta naquela.
4. A pesquisa histórico-filológica pela qual ele se apossa da tradição.
5. A hermenêutica pela qual ele torna transparentes para o exame dialético as sentenças dos filósofos do passado e todos os demais elementos da herança cultural que sejam necessários para a sua atividade filosófica.
6. O exame de consciência pelo qual ele integra na sua personalidade total as aquisições da sua investigação filosófica.
7. A técnica expressiva pela qual ele torna a sua experiência cognitiva reprodutível por outras pessoas.” 
Queria saber se são válidas ou não e por quê.


RESPOSTA DO PROFESSOR

Antes de tudo, não, não é fora de contexto, senão que é uma pergunta excelente. Vou por partes.

1) Naturalmente, há elementos de verdade no que me apresenta. Mas não posso concordar com o núcleo desse esquema.
2) Que núcleo é este? Está dito já no item 1: “A anamnese pela qual o filósofo rastreia a origem das suas ideias e assume a responsabilidade por elas”. É o mesmo ponto de partida que tem a filosofia moderna desde Descartes: suas próprias ideias, as ideias do próprio filósofo, independentemente, antes de tudo, do que só se nomeará no item 3: a tradição. Não foi este o objetivo de Descartes ou de Kant? Começar do zero, de si mesmos, para depois ver como se integrariam na “tradição filosófica”. Pois.
3) Como espero ter deixado claro desde o início deste curso, meu ponto de partida é todo outro. E, já que me apresentou um esquema da marcha do filosófico, apresento um alternativo, similar a ele quanto à figura, mas obviamente diferente quanto à forma ou conteúdo.
a) Como vimos em nosso curso, todos os homens conhecem, mas só alguns sabem: são os filósofos. Ora, talvez eu tenha capacidade ou pendor para ser filósofo, o que se vê por minhas mesmas interrogações acerca da realidade. Lembre-se de que o menino Tomás de Aquino perguntou um dia: “Que é Deus?”
b) A realidade já me fala, a mim enquanto homem, e a mim enquanto possível filósofo. Se assim não fosse, minhas ideias antecederiam o conhecimento que tenho das coisas, o que analogamente é um pouco pensar como Descartes: penso que penso antes de pensar que penso as coisas.
c) Ademais, assim como o jovem Tomás de Aquino logo constatou que gerações e gerações de filósofos anteriores a ele já haviam feito interrogações acerca da realidade semelhantes às que ele fazia desde menino, assim também eu, como todo e qualquer possível filósofo realista, logo verei que não poderei senão alçar-me sobre ombros de gigantes.
d) E logo perceberei, em meu pendor filosófico realista, que alguns deram respostas mais adequadas e mais realistas às comuns interrogações filosóficas – e aderirei a eles.
e) Se tiver verdadeiro pendor filosófico, não só aderirei a eles, mas os aprofundarei, aprimorarei e/ou corrigirei (no que tiverem de corrigíveis), além de, quando possível, sintetizar em meu nascente filosofar o que de assimilável houver em todas as demais doutrinas.
f) Naturalmente, se tiver verdadeiro pendor filosófico realista, terei em concreto de aderir antes de tudo a Santo Tomás, em sua síntese ordenada à sua Teologia Sagrada, na qual ressalta o aristotelismo, ainda que aprimorado e completado por outras contribuições, incluindo as próprias. Em outras palavras: não inventarei uma nova doutrina, senão que, como dito nas duas primeiras aulas deste nosso curso, seguirei a Santo Tomás em espírito e letra, tentando aplicar sua doutrina a campos ou a aspectos da realidade a que o mesmo Santo Tomás não o fez. (E, naturalmente, poderei até aperfeiçoá-lo e corrigi-lo no pouco dele que se pode aperfeiçoar ou corrigir – sempre, porém, mediante conclusões diretas do núcleo de sua mesma doutrina.) – Mas por que ser tomista, há espaço para insistir? Simplesmente porque em sua doutrina Santo Tomás atingiu o ápice da sabedoria, e porque, sendo impossível superar um ápice, não hei senão de pôr-me sob seu inteiro influxo, até que esta doutrina se me constitua a forma mentis.

g) Mas posso ter pendor filosófico em diferentes modos e sentidos, análogos segundo mais e menos. Posso ser “apenas” um excelente leitor ou um ótimo professor de filosofia; posso ir além disto mas restringir-me a pensar filosoficamente; e posso ir ainda além e escrever filosofia, ou seja, transmitir aos outros meu mesmo filosofar – sempre tomista. E para isto último, naturalmente, hei de encontrar os meios expressivos adequados: um modo de escrever estritamente filosófico ou científico, ou seja, que não recorra ao retórico senão muito pontualmente. Mas o mesmo Santo Tomás nos ensina a fazê-lo com proficuidade.