sábado, 17 de julho de 2021

A impressionante justeza da doutrina do P. Calderón com respeito ao CVII

                                                                                                Carlos Nougué 

Diante do CVII, erguem-se antes de tudo três posições mutuamente excludentes.

1) Como devemos dócil obediência ao magistério da Igreja, devemos igual obediência ao magistério conciliar e pós-conciliar; e, se as posições deste parecem heréticas, a culpa é de nosso frágil entendimento: na verdade, não fazem senão continuar o magistério de sempre. – É a hermenêutica da continuidade.

2) Como as posições do magistério conciliar e pós-conciliar são heréticas e rompem com o magistério infalível anterior de quase dois mil anos, não só não lhe devemos obediência alguma, senão que os papas deste magistério não são papas: porque um papa herético não pode ser papa. – É o sedevacantismo.

3) Como algumas posições do magistério conciliar e pós-conciliar rompem com a doutrina de sempre e outras não, só lhe devemos obediência quanto a estas, não quanto àquelas, que devemos criticar de algum modo. – É o tradicionalismo crítico.

Mas estas três posições encerram verdades e falsidades.

1) É verdade que as posições do magistério conciliar e pós-conciliar rompem, naquilo que lhes é próprio, com a doutrina de sempre; quando não o fazem, fazem quase sempre de modo que se dissimulem aquelas.

2) Mas também é verdade que não só Cristo prometeu assistência perpétua ao magistério da Igreja para que este não errasse em matéria de fé, de costumes e de coisas conexas, mas por isso mesmo devemos completa e dócil obediência a este magistério. Desse modo, escolher que posições do magistério se devem adotar ou criticar resulta de puro arbítrio e, em verdade, de mais ou menos consciente indocilidade ao magistério da Igreja.

3) Portanto, o único modo de conciliar estas duas coisas, a saber: o magistério autêntico da Igreja é assistido pelo Espírito Santo, razão por que não pode errar; e é evidente que o magistério conciliar e pós-conciliar incorre, naquilo que lhe é próprio, em desvio da fé – como na doutrina ecumenista, na da sã laicidade dos estados, na da liturgia humanista, etc. –, o único modo, digo, de conciliar estas duas coisas é reconhecer que o magistério conciliar e pós-conciliar, em vez de impor, depôs sua autoridade doutrinal, deixando de falar “em pessoa de Cristo” para falar, humanística e liberalmente, “em pessoa do Povo de Deus”. Salvam-se assim tanto o reconhecimento de que o Espírito Santo assiste o magistério da Igreja quando fala “em pessoa de Cristo” como a devida docilidade a este magistério. Mas esta não é uma solução arbitrária, para salvar, digamos, as aparências. É exatamente o que se deu no e após o Vaticano II, o que se pode comprovar abundantemente pelos próprios documentos deste magistério. Em outras e mais precisas palavras, isso é dito pelo próprio magistério conciliar e pós-conciliar.

Observação 1: lembro que, quando li A Candeia Debaixo do Alqueire, onde o P. Calderón escreve o que resumi acima, entrei em estado de exaltação intelectual: “Heureca!”, pensei, “este sacerdote finalmente resolveu o enigma da esfinge conciliar!”

Observação 2: mas então por que eu mesmo escrevi e lancei o livro Do Papa Herético? Para mostrar duas coisas que me pareceram não constar, ao menos de modo explícito, no livro do Padre. Primeira: se é, e de fato o é, como diz A Candeia..., então o magistério conciliar e pós-conciliar se reduz a magistério privado. (Resumo muito a coisa, porque com efeito há momentos – poucos – deste magistério em que ele reafirmou a doutrina de sempre, o que porém não fez senão como “momento dialético” ordenado à palavra última do Povo de Deus.) Segunda: como um papa incurso em desvio da fé rompe com aquilo para o que foi eleito, mas nem por isso perde o cargo (e são numerosas as afirmações do magistério de sempre com respeito a isto), então há que dizer que ele permanece papa, sim, mas com jurisdição precária (tudo o que, é claro, está detidamente demonstrado e explicado em meu livro).