terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A calúnia é uma brisa sutil, mas ribomba como tiro de canhão


PADRE CURZIO NITOGLIA
18 de outubro de 2014

[Tradução: Gederson Falcometa]

[Nota prévia. Como se verá, permitimo-nos fazer uma nota de esclarecimento ao artigo do Padre Nitoglia.]


“O homem faz o mal totalmente, perfeitamente
e felizmente apenas quando o faz por motivos
‘místico-religiosos’ ou messiânicos.”
Blaise Pascal


A doutrina tomista

Santo Tomás de Aquino trata na Suma Teológica (II-II, q. 72-75) as injustiças que se cumprem com palavras, depois de ter examinado as que se cumprem com ações (q. 64). Aquelas são as injúrias verbais, a detração, a murmuração e a derrisão. Infelizmente estes vícios são muito difusos, pouco levados a sério e quase nunca combatidos mesmo em ambientes católicos ligados à Tradição, enquanto constituem em si pecado mortal. Busquemos ver sua natureza, sua gravidade, e quais são os remédios para derrotá-los.

As injúrias verbais

Na questão 72 o Aquinate trata da “contumélia”, ou seja, a injúria verbal não feita pelas costas ou “traiçoeiramente”, mas abertamente. “Contumélia” deriva do verbo latino contemmere, isto é, desprezar ou insultar clamorosamente e em face. É distinta da injúria, que é uma ação que afeta o direito dos outros (in-jus) com ações: espancamento, etc. Ora, o Angélico nota que, embora as palavra não façam fisicamente mal (a. 1, ad 1), enquanto todavia as palavras significam coisas, podem causar muitos danos. A contumélia ou injúria verbal afeta a honra; a difamação ou detração afeta a boa fama; e a derrisão ou escárnio suprime o respeito.

A contumélia, que censura os defeitos diante de muitas pessoas, é mais grave que o insulto feito a sós, que falta com o respeito apenas a quem escuta ou é injuriado. O fim da contumélia consiste no mutilar a honorabilidade moral do próximo (ad 3) reprovando-lhe os defeitos morais. A contumélia é algo mais grave que o simples “insulto”, mediante o qual se escarnece um defeito físico do próximo (por exemplo, zombar da cegueira ou da corcunda de alguém), enquanto a contumélia se dirige a um defeito moral ou espiritual (por exemplo, inquinar de louco, de ladrão ou de bêbado a alguém). No artigo 2, Santo Tomás explica que a contumélia é pecado mortal. Na verdade (in corpore articuli), por si mesma a contumélia implica uma mutilação da honra do próximo. Então, este é um pecado mortal não menor que o roubo, que subtrai riqueza material, enquanto a contumélia desonra a alma do próximo em sua moralidade.
O Padre Titto Centi comenta: “Daqui deriva a gravidade da contumélia, que é feita para destruir a honorabilidade moral, e comporta a obrigação de reparação”: ou restituição da fama (para a contumélia) e restituição de bens materiais (para o furto), ou danação.
Se não existe a intenção de desonrar a pessoa insultada, mas o insulto é de tal forma grave que compromete a honra moral de quem é insultado, ainda que levemente e sem malícia, ainda assim pode ser pecado mortal. Assim como não está isento de culpa quem involuntariamente, por jogo [ou brincadeira], fere a outro gravemente. Por isso também a simples repreensão deve ser feita (ad 2) não com intenção de impor-se e de humilhar o outro, mas para sua correção. A contumélia é pecado venial apenas se é insulto leve, que não desonre gravemente o próximo (ad 3), ou seja, se é proferido levemente, sem o propósito de desonrar moralmente a uma pessoa.
No artigo 3 o Doutor Comum explica que em certos casos é necessário repelir as contumélias, especialmente por dois motivos. Primeiro: para o bem de quem insulta, para reprimir sua audácia, a fim de que não cresça em prepotência e em presunção e não repita tais atos. “Responde ao estulto segundo sua estultícia, a fim que não se creia sábio” (Prov., XXVI, 5). Segundo: para o bem das outras pessoas, se quem é ofendido ocupa um cargo público, razão por que a ofensa recairia sobre ele e sobre a sociedade e os desonraria (por exemplo, um magistrado, um prelado, um governante...). Com efeito, aquele que é constituído em dignidade ou autoridade pública é quem deve defender as pessoas.

A detração

A detração (q. 73, a. 1) é uma maledicência ou um denegrir a fama dos outros feito às ocultas. Consiste em “morder escondido a fama (ou a “estima pública ou notoriedade”, N. Zingarelli) de uma pessoa” (sed contra), como se lê no Eclesiástico (X,11): “Se a serpente morde em silêncio, não faz menos que isso quem calunia em segredo”. Depois o Angélico explica (in corpore articuli) que, assim como há dois modos de danificar o próximo por ações: abertamente (por exemplo, a rapinagem ou o golpe na face) ou ocultamente (por exemplo, o furto ou uma pancada “traiçoeira”, ou seja, pelas costas), assim também há dois modos de prejudicar com palavras, abertamente (a contumélia face a face, q. 72) ou ocultamente (a maledicência ou detração, q. 73).
Vimos na questão precedente que na contumélia um fala mal de outro abertamente, o despreza e o desonra moralmente; o objeto da contumélia é a lesão da honorabilidade moral do próximo. Por seu lado, a detração ou difamação, em que se fala mal do próximo às ocultas, não o despreza abertamente, senão que o teme. Por isso não o desonra diretamente, senão que lhe tira a boa fama ou o bom nome, que é a estima pública. De fato, ao proferir ocultamente más palavras contra o próximo, o denegridor quer levar aquele que o escuta a formar uma má opinião do outro, e assim lhe tira a estima pública ou boa fama, com o fim de fazer que se creia no que diz. No artigo 2 (in corpore) o Aquinate explica que também a detração é pecado mortal. De fato, os pecados da língua devem ser julgados segundo a intenção.
Ora, o denegrir se ordena a diminuir a boa fama do próximo. Mas tirar a boa fama de um homem é algo assaz grave (“auferre alicui famam valde grave est”), porque entre todos os bens temporais a boa fama é o mais precioso. Na verdade, com sua perda o homem é privado de poder cumprir muitas coisas boas (por exemplo, perde o trabalho, não encontra esposa, não é admitido no seminário ou no convento, ou o afastam ou não pode desenvolver seu apostolado). Então, por si ou objetivamente a maledicência é pecado mortal. Se se fala mal do próximo levemente e não com a intenção deliberada de tolher-lhe a fama, o pecado é venial, desde que o ato de denegrir não seja de tal forma grave que mutile gravemente a fama de uma pessoa. Se as palavras pronunciadas dizem respeito à honestidade moral da vida do próximo (por exemplo, imprudente, idealista, kantiano, irresponsável, perigoso socialmente), são pecado mortal, o que exige reparação, sob pena de que Deus não perdoe ao detrator e este não possa ser absolvido em confissão, assim como se deve restituir uma coisa roubada.*
No artigo 4 Santo Tomás afirma que quem escuta a detração e a tolera sem reagir (defendendo a pessoa denegrida) peca gravemente. In corpore articuli, após citar a São Paulo: “é digno de morte [espiritual ou da alma] não apenas quem comete o pecado [mortal], mas também quem aprova aqueles que o cometem” (Rm 1, 32), o Angélico explica que a aprovação pode dar-se de vários modos. Primeiro, diretamente, quando um induz o outro ao pecado ou o outro se compraz com o pecado cometido pelo primeiro. Segundo, indiretamente, isto é, quando o outro não reage, havendo embora possibilidade para isso, não porque lhe dê prazer o pecado, mas por “timor mundanus” (respeito humano) ou por negligência; então peca, mas de modo menos grave que quem fala pelas costas; pode tratar-se então de pecado venial.
O Padre Titto Centi comenta que “algumas vezes, para evitar um mal maior, é melhor protelar a defesa do denegrido. Todavia, também nestes casos é obrigatória a atitude de desaprovação passiva e tácita, se se quer permanecer imune de qualquer culpa ainda que venial”. Mas – continua o Aquinate –, em certos casos, a omissão da defesa do denegrido pode também ser pecado mortal, ou porque quem cala tem o dever oficial de corrigir os culpados, ou pelas desordens que derivam de tal denegrir. No ad 1m Santo Tomás especifica que, se podemos ter paciência no tolerar o denegrir voltado contra nós mesmos, não é tolerável, ao contrário, suportar que denigram a boa fama dos outros. Desse modo, quem escuta a uma pessoa denegrir a outra e não reage, tendo a possibilidade de fazê-lo, peca – pelo mesmo motivo por que se deve ajudar a quem caiu sob um grave peso a se repor (cf. Deut 22).

A derrisão

Na questão 75 o Doutor Oficial da Igreja Católica afirma que a derrisão tem por fim suscitar vergonha em quem é alvo do escárnio (in corpore articuli). No ad 1 o Angélico distingue a derrisão, que é feita com a boca, a má língua e os risos, do “sorriso malicioso” (“subsannatio”), que se faz com afetação do rosto, torcendo o nariz. O efeito querido pela derrisão é a confusão e a vergonha (ad 2), que consistem no “medo da desonra” ou “timor dehonorationis”. Por isso, a derrisão tem em comum com os pecados tratados acima a matéria; mas o fim é diverso. Uma vez que “um ânimo tranquilo é como um banquete perpétuo” (Prov 15, 15), quem turba a paz interior do próximo (ad 3) cobrindo-o de vergonha e confusão, mediante brincadeiras ou olhares altivos e afetados, causa um dano especial e grave, e então a derrisão é pecado especial e grave. O Padre Tito Centi comenta: “O fim da derrisão é o turbamento da alma do próximo, que, ao contrário, tem direito à tranquilidade de consciência. O turbamento é ligado ao respeito que uma pessoa honesta tem o direito de esperar; e ao qual, ao contrário, é constrangida a renunciar por quem a ridiculariza ou a esnoba”. No artigo 2 Santo Tomás afirma que a derrisão é pecado mortal, e no corpo do artigo explica que, se se ri sem maldade, mas para brincar, do mal ou de defeitos leves do próximo, o pecado é venial. Ao contrário, se a derrisão é feita de um doente ou de um deficiente grave, então se zomba com desprezo e não por brincadeira. Neste caso é pecado mortal, e é mais [grave] que o insulto ou contumélia face a face, porque na derrisão não se considera seriamente as misérias dos outros, diferentemente do [que se dá no] insulto. Neste caso [insista-se], a derrisão é pecado mortal, tanto mais grave quanto maior é o respeito devido à pessoa escarnecida. Por isso é pecado gravíssimo escarnecer de Deus e das coisas ou pessoas de Deus ou constituídas em autoridade.

Conclusão

Do ensinamento de Santo Tomás se evidencia:
1) o dever moral de não insultar, denegrir, caluniar ou murmurar e escarnecer o próximo, sobretudo se constituído em autoridade;
2) de reparar o dano feito à sua reputação;
3) de defender quem é denegrido, sem fazer de conta que não vê. Certamente diante aos homens é mais cômodo “fingir que tudo está bem”, mas diante de Deus [quem age assim] não se encontra em ordem, senão que está em pecado grave, quod est incohatio damnationis.
Para terminar, gostaria de citar uma anedota do compositor Partenopeu Scarpetta. “Um pobre mendigo, todo esfarrapado e imundo, passou diante de uma barbearia de um barbeiro muito religioso. O barbeiro chamou-o e, quase repreendendo-o, disse-lhe: Hoje é domingo, não te envergonhas de apresentar-te em público neste estado e ainda mais no dia do Senhor? O mendigo não soube que coisa responder. Então, o bravo e zeloso barbeiro convidou-o a que se deixasse barbear por ele gratuitamente e por amor de Deus. Quando o mendigo tomou lugar na cadeira dos clientes, o barbeiro encheu-lhe o rosto de água quase fervendo e de sabão abundante. Depois começou a fazer a barba do pobre homem de forma muito decidida. O mendigo começou a gritar de dor. Um guarda que passava por ali, ao ouvir os gritos, entrou na barbearia e perguntou: O que está acontecendo? Então, o mendigo respondeu: Estão fazendo minha barba por amor de Deus’.
São Francisco de Sales ensina: “A estrada que conduz ao inferno é pavimentada de boas intenções”...




* Naturalmente, não constitui pecado algum chamar a um liberal, liberal, a um modernista, modernista, a um kantiano, kantiano, se, é claro, o epíteto corresponder à verdade, e se o fim com que tal se faz é a preservação ou defesa da religião, da verdadeira doutrina filosófica ou teológica, etc. Lembremos que Santo Tomás, que no início de sua carreira chamava a Averróis o Comentador (da obra de Aristóteles), terminou por chamá-lo o Corruptor (da mesma obra), quando se viu obrigado a defender a fé da influência nefasta da tese averroísta contrária à unidade do intelecto humano. É verdade que Averróis já estava morto. Mas o Cardeal Pie de Poitiers, o Papa São Pio X, Dom Lefebvre e tantos outros não deixaram de aplicar os devidos adjetivos a defensores de heresias vivos, alguns dos quais da mais alta hierarquia. Do mesmo modo, não pecaria aquele que, não tendo outro meio de fazer chegar a Pio XI sua preocupação com o destino dos Cristeros, se visse obrigado a dizer em algum meio de difusão católico, com todo o devido respeito e toda a devida vênia, que um acordo do papa com a maçonaria seria imprudente e provavelmente provocaria o esmagamento do exército cristão. – Mas pode haver pecado (venial ou mortal) na aplicação de tais epítetos. Antes de tudo, se aquele a quem se aplicam não corresponde aos epítetos, e quem os aplica o faz com o fim de detratar ou difamar. Ainda porém que o fim não seja a detração, há pecado quando se aplicam epítetos injustos a alguém, quer por irascibilidade, quer por desproporção entre o que alguém efetivamente faz e o que aquele que lhe aplica um epíteto diz que ele faz; e isto último pode dar-se de diversos modos. Por exemplo, se alguém acusa a outro de herege dizendo ser heresia o que não o é, especialmente se peca pela soberba de crer-se ou dizer-se dono de uma ciência que não tem. Infelizmente, a mesma Internet que permite haja, por exemplo, um “Corpus Thomisticum” também estimula esse vício, que contribui muito, ademais, para o descomedimento, para a truculência e para a grosseria verbais que grassam em redes sociais, em páginas web, etc. – Assinale-se, por fim, o saníssimo costume da escolástica medieval de criticar a tese que se julgasse fosse criticável sem, todavia, citar o nome de seu autor se este ainda estivesse vivo (isto, é claro, no âmbito das disputas científicas, ou seja, filosóficas e teológicas). Com efeito, ao criticarmos uma tese de alguém vivo, devemos ter também o fim de convencê-lo, o que sempre se torna mais difícil se o citamos. Muitas vezes, hoje em dia é impossível tal cuidado. Mas devemos persegui-lo com persistência e de modo meticuloso. [N. de C. N.]