terça-feira, 2 de agosto de 2022

A perseguição dos progressistas aos católicos tradicionais no decorrer do CVII

 Frei Mario Agustín Pinto, O.P.

(Publicado na revista VERBO, setembro de 1964, nº 44/45.)

Tradução: Urlan Salgado de Barros 

Dizia São Jerônimo, aludindo à singular difusão que em seu momento alcançara a heresia do arianismo, que um dia o mundo despertou vendo com espanto que era ariano. Pois bem, algo análogo pode dizer-se em nossos dias com respeito a essa nova forma de erro que genericamente leva o nome de progressismo católico.

O progressismo, com efeito, infiltrou-se em todos os âmbitos da Igreja, mas de modo principal nos seus centros mais vitais, ou seja, nos seminários, nas casas de formação do clero secular e regular, nas Universidades, academias e institutos católicos, em todos aqueles lugares, enfim, onde se formam as mentes daqueles que estão destinados a ser os dirigentes e mentores do povo cristão. É um processo semelhante àquele que oferecera, no começo deste século, o modernismo, com o qual, por outro lado, se apresenta em continuidade perfeita, e contra o qual reagiria com sobrenatural fortaleza São Pio X. Infiltra-se como um veneno sutil que dissolve as mentes dos homens e as estruturas sociais nas fileiras dos leigos, do clero, do episcopado, determinando atitudes, iniciativas, proposições, decisões, que provocam a angústia das almas fiéis e a desorientação e confusão no povo crente, que acaba por não saber afinal o que pensar nem o que fazer, pois vê que se questionam práticas, certezas, costumes que supunha, fundadamente, imutáveis.

Aos que, desde trinta anos atrás, vínhamos acompanhando com atenção e angústia este processo, a situação a que chegamos não pode certamente surpreender. É a conclusão lógica dos erros do liberalismo, do modernismo, do maritainismo, do personalismo, que se combinaram e se resolveram no erro global do progressismo. Mas a grande massa dos fiéis católicos não possuía elementos suficientes para suspeitar o que se vinha incubando no seio da Igreja, pois até pouco tempo atrás as novas ideias se manifestavam rodeadas de precauções e cautelas, ante o temor da autoridade eclesiástica, e principalmente da Congregação do Santo Ofício, cuja necessária função moderadora e vigilante fez dela objeto de ataques tenazes e insensatos. Mas eis que, de repente, parece que todas essas inibições desapareceram, como se todas as comportas fossem abertas. Por isso o mundo católico pôde despertar um dia vendo, com assombro, que estava circundado, infiltrado, penetrado pela maré imparável e sempre crescente das novas correntes progressistas.

Ante esta situação, em verdade dramática, é necessário, hoje mais que nunca, que os espíritos que souberam conservar sua lucidez intelectual, e seguem aderindo firmemente à integral doutrina da Igreja – os tão censurados “integristas” das campanhas difamatórias do progressismo –, deem seu testemunho da verdade, para contribuir para dissipar, na medida de suas forças, tão universal confusão. Assim fizemos entre nós, os teólogos argentinos, que desde muito tempo atrás se vêm assinalando por sua intrépida constância na luta contra os erros que conduziram gradualmente até a atual crise progressista. Por tudo isso, recomendamos vivamente os estudos recentemente publicados que projetam vivíssima luz sobre o fundamento, a raiz e as múltiplas implicações dos erros que vínhamos comentando. Um deles é o R. P. Alberto Vieyra, O.P., que em seu opúsculo “O erro do progressismo” (“El error del progresismo”), assinala agudamente com fundamento filosófico este erro, o deslocamento que nele se produz no sujeito mesmo da moralidade sob influxo da instância personalista e existencialista da filosofia contemporânea, radicalmente oposta à filosofia cristã tradicional das essências eternas e imutáveis. O outro é um folheto que contém conferências do R. P. Julio Meinvielle, “Em torno do progressismo cristão” (“En torno al progresismo cristiano”). Já no ano de 1960, em um número da Revista Estudios Teológicos y Filosóficos, que adquiriu nestes momentos de crise renovada atualidade, o R. P. Julio Meinvielle, tomando como ponto de partida o problema dos sacerdotes operários (obreros), investiga, com sua habitual sagacidade, a raiz teológica mais profunda do progressismo católico, e a descobre na concepção de um cristianismo “reencarnado”, quer dizer, na tentativa audaz de implantar uma sorte de “novo cristianismo”, que completa e aperfeiçoa a “nova cristandade” de Maritain, e que não deixa de evocar a memória do abade Joaquim de Fiori, que pretendeu pregar na Idade Média um novo Evangelho, o “Evangelho eterno”, como ele dizia, e a quem refutou Santo Tomás com razões contundentes (cf. Summa Theol. I-II, 106, 4). Em suas conferências recentemente publicadas, o P. Meinvielle completou aquela aguda análise à luz dos novos e surpreendentes desenvolvimentos que alcançaram aquele erro.

Cremos sinceramente que todo aquele que lê estes estudos com espírito justo e sem preconceito, com sincero amor à verdade, encontrará neles todos os elementos necessários para formar um juízo ortodoxo e exato acerca destes erros perniciosos, que determinam, para onde o infortúnio vem impor-se, a turbação dos espíritos, o relaxamento da moral, a destruição do conceito de autoridade e da disciplina eclesiástica, a mais triste e lamentável subversão. Aqui mesmo na Argentina exemplos recentes, que não vem ao caso enumerar por serem bastante conhecidos, vêm a confirmar, com meridiana claridade, nossa asserção.

Não se nos oculta a sorte reservada a quem na hora atual se atreve a desmascarar e denunciar estes erros. Os progressistas, com efeito, declararam uma guerra sem quartel a todos aqueles que permanecem imutáveis na defesa da doutrina católica, tradicional e integral. Contam eles com quase todos os meios de publicidade, e gozam do favor e da ajuda dos inimigos ocultos e abertos da Igreja. Por isso não vacilaram em desencadear campanhas de difamação e desprestígio que chegam até aos mais altos níveis da Igreja: Cardeais, Superiores de Ordens e Congregações, eminentes teólogos romanos. Assim o assinalou com palavras de fato comovedoras a revista francesa Itinéraries, dirigida pelo grande polemista católico Jean Madiran, assessorada pelo R. P. Thomas Calmel, O.P., querido condiscípulo e irmão, por cuja luta heroica travada em circunstâncias singularmente difíceis lhe fazemos chegar nossa homenagem de cordial solidariedade e admiração. Lemos, com efeito, no número 69 de Itinéraires, numa crônica romana assinada por “Peregrinus”, estas palavras de angústia, que mostram até onde vai essa audácia agressiva do movimento progressista, em sua campanha contra o “integrismo”, ou seja, contra os defensores da doutrina católica integral, sem mutilações que a desvirtuem em seu conteúdo essencial. Diz Itinéraires:

“A desqualificação arbitrária das pessoas pelos reflexos condicionados do anti-integrismo é um processo de autodestruição da Igreja. Se esta fosse uma sociedade somente humana, não poderia sobreviver. O ‘integrista’ é aquele a quem não se fala; já não é um irmão, nem sequer um irmão inimigo; não é um adversário humano; é o equivalente a um cão sarnento que se espanta com um pontapé. Ele é desprezado em silêncio ou insultado com a maior grosseria. Ele é considerado capaz de tudo e ainda mais baixo na escala dos entes do que criminosos endurecidos, que recebem pelo menos algumas funções nas prisões. Pode fazer qualquer coisa, exceto levar em conta sua existência e sua opinião. Basta que se tenha lançado a qualificação de ‘integrista’ com alguma insistência no universo do rumor organizado para que, praticamente, nem sequer se examine se essa qualificação é fundada, e em que medida e em que sentido. É de si global e definitiva, como a declaração de que um indivíduo está contaminado com lepra; já não cabe para ele nenhum contato com os homens sãos. Entretanto, a uma parte cada vez maior em número de clérigos e leigos que integram a Igreja é posto este rótulo pestífero. É ‘a guerra psicológica’ transplantada para o seio da Igreja”.

“Esta ‘guerra psicológica’” – acrescenta o mesmo autor – “se desenrolava até há pouco tempo nas zonas periféricas do corpo eclesiástico, no âmbito das paróquias, da organização da Ação Católica, dos Vicariatos Gerais das dioceses, às vezes também no âmbito de tal ou qual conferência episcopal. Mas agora foi levada até o centro mesmo da Igreja. E agora Cardeais da cúria, Superiores de Ordens Religiosas, teólogos romanos vêm a ser pessoalmente destroçados pela máquina infernal. Alguns deles conhecem já por experiência própria a escuridão da solidão e do desprezo, a tentação do desespero, a desorientação da alma, provocada em suas vítimas por essa guerra psicológica organizada pelo anti-integrismo. Experimentam o que experimentaram antes que eles, sem que eles o soubessem, talvez sem que o tivessem cabalmente compreendido, tantos leigos e clérigos humildes de última fila. Agora eles, por sua vez, estão sós, com seu coração rasgado, sós com seu amor reusado e depreciado, sós com suas lágrimas e orações. Sós com Jesus e sua Santíssima Mãe, no umbral do primeiro dos mistérios dolorosos.

“Que todos aqueles que de um extremo ao outro da Cristandade sobreviveram à prova, que pela graça de Deus suportaram sem ser definitivamente destruídos, que todos aqueles que estão atualmente submersos nela e tateiam no escuro, que todos se unam em oração e no Santo Sacrifício da Missa, todos os que hoje em dia, em Roma, se tornaram alvo, por sua vez, do massacre; alvo desta atroz guerra psicológica de anti-integrismo, que arruína arbitrariamente sua reputação, que rompe ou confunde suas amizades mais antigas, que destroça em suas mãos o bem que poderiam fazer, e que leva suas devastações até o mais íntimo de sua alma. Com eles, por sua intenção, para que se sintam confortados, consolados, fortalecidos, recitemos os mistérios dolorosos do Santíssimo Rosário”.

E nós, por nosso lado, que compreendemos cabalmente toda a dolorosa verdade destas palavras, com íntima adesão às figuras eminentes, aos campeões da fé que atravessam hoje esta prova, para que se possa conhecer melhor a raiz venenosa e profunda, que explica a razão de ser e a íntima coesão de todas essas ideias, atitudes e doutrinas que estão semeando a confusão em nossas filas, recomendamos vivamente os estudos libertadores e esclarecedores do P. García Vieyra e do P. Julio Meinvielle.