domingo, 5 de abril de 2020

JEJUM AOS DOMINGOS?


Carlos Nougué

1) Antes de tudo, sugiro-lhes, católicos, que não se deixem levar por discussões com respeito às quais não tenham certeza advinda do magistério da Igreja. Nesta Quaresma, há muito mais que fazer.
2) S. Agostinho punha-se contra o jejum aos domingos (e não só contra o jejum, mas contra orar de joelhos! coisa que todos hoje fazemos): “Jejuar em dia de domingo é grande escândalo”, escreve, em 396, a Casulano (Carta 36, 27).
3) Mas S. Tomás admitia o jejum aos domingos, como se lê em seu sermão sobre os Dez Mandamentos: nestes dias, diz ele, “secundo corpus nostrum affligere, et hoc ieiunando: Rom. XII, 1: obsecro vos per misericordiam Dei, ut exhibeatis membra vestra hostiam viventem Deo, sanctam”.
4) A divergência quanto a isto entre os dois maiores doutores da Igreja indica uma divisão mais vasta, entre os cristãos em geral, ao menos até o século XIII.
5) O Concílio de Braga, no século VI, decretara: “If anyone does not truly honor the birthday of Christ according to the flesh, but pretends that he honors (it), fasting on the very day and on the Lord’s Day, because, like Cerdon, Marcion, Manichaeus, and Priscillian, he does not believe that Christ was born in the nature of man, let him be anathema”. Ou seja, anátema seja ao que fizer jejum aos domingos com intenção não reta, ou seja, com a intenção dos hereges Marcião, Prisciliano, maniqueus, etc., descrita no texto. Mas não se proíbe o jejum aos domingos.
6) Por fim, o cânon 1252, parágrafo 4, do Código Canônico de 1917 (muito mais rigoroso que o do pós-CVII) reza: “Cessa a lei da abstinência, ou da abstinência e do jejum, ou do jejum só, nos domingos ou festas de preceito, excetuadas as festas que caiam na Quaresma [...]; cessa também a dita lei no Sábado Santo depois do meio-dia”. Ou seja, cessa nesses dias a lei que OBRIGA o jejum e/ou a abstinência, mas NÃO SE PROÍBEM estes.
7) Em outras palavras, não é pecado jejuar nos domingos em geral, com o que se reduz a disputa sobre a matéria a uma questão de conveniência segundo costumes locais ou pendores individuais.
8) Mas pergunto: quem é Bolsonaro para dirigir-me religiosamente em qualquer ato? Pecador público até agora impenitente (que mude!), nem de longe tem autoridade religiosa sobre mim nem sobre nenhum católico. Os “católicos” que dizem que ele a tem são da seita direitista bolsonaro-olavética (ela mesma herética). Ademais, tenho certeza de que nossos sacrifícios, jejuns e abstinências durante toda esta tão especial Quaresma, marcada pela pandemia, já são de nossa parte oferecimento bastante a Deus pelos pecados públicos que O levaram a infligir-nos este duro flagelo.