sábado, 20 de setembro de 2025

Meu reino por um cargo – A ilusão católica a respeito da política moderna

     

     A falsa premissa

Uma quantidade não desprezível de católicos, nos dias de hoje, sonha com o momento em que terão uma quantidade considerável de parlamentares na Câmara dos Deputados, ou mesmo na tal da Presidência da República. Outros, que se acreditam menos iludidos, sonham com uma monarquia parlamentar.

Outra parte, por sua vez — especialmente aquela pertencente à Opus Dei — acredita que um tipo de ocupação à moda gramsciana (guerra de posições), como aquela que exercem especialmente no poder judiciário, poderia vir a surtir efeito (seja lá qual for o que desejarem).

Mas todos os católicos que desejam uma ocupação de posições nos centros de poderes modernos partem de uma falsa premissa. Essa premissa eu poderia formular de maneira muito simples e acredito que todos concordariam:

– (1) O poder político-partidário do Estado moderno é o centro de tomada de decisões da sociedade; e (2) quem estiver lá terá o controle das decisões de uma nação e portanto da sociedade; ergo (3) devemos desejar possuir esses lugares, pois somos católicos e queremos o Reino de Cristo.

Isso por si só move muitas pessoas a fazerem a campanha pelo tal do “mal menor” a favor de Jair Bolsonaro, ou pela deputada Cris Tonietto, fiel da Administração Apostólica de D. Rifán, ou por algum católico local para os cargos de vereador ou deputado estadual (ou algum federal caso você não for do Estado da Cris), etc.

O que é o Estado moderno

O Estado moderno não é a mesma coisa que a comunidade política medieval ou a pátria da Antiguidade. O historiador Jean de Viguérie observa algo interessante: antes da palavra pátria entrar na língua francesa, já existia o conceito de França:

«A palavra “pátria”, no latim medieval, e a palavra “patrie”, adotada pela língua francesa no século XVI, designavam a terra dos pais, o país de nascimento e educação. O amor à pátria — a palavra patriotismo ainda não existia — restaurou à França os deveres da piedade com as honras do respeito e da lealdade. A pátria era a França. A França era um ser moral dotado de virtudes. Os franceses frequentemente evocavam essas virtudes da França e queriam se mostrar dignos delas. Em caso de guerra, alguns deles concordavam em dar a vida. Mas nenhuma obrigação era imposta aos cidadãos comuns de morrer pela pátria a pedido do príncipe.»¹

Ora, se já existia uma noção de “França” anterior à noção de “pátria”, certamente essa noção referia-se ao simples exercício da política em seu sentido clássico, que é o exercício da prudência humana conforme a natureza, ou seja, a união de famílias em prol de um viver superior àquele da isolação: uma sociedade de sociedades onde havia um livre intercâmbio de convivências, experiências e um depósito de memórias, desejos e bens em comum. Era a “comunidade política” (e política aqui nunca é no sentido ‘política partidária’) que dividia suas tarefas conforme a natureza e os fins gerais que deve ter uma sociedade, ou seja: o exercício das virtudes e a aquisição da bem-aventurança eterna. A vida era relativamente simples e, apesar dos problemas inerentes à natureza humana, a chance de sucesso (leia-se salvação) era muito maior. Essa “comunidade política” não foi inventada por Aristóteles ou Santo Tomás: eles apenas descreveram esse fenômeno consequente da natureza humana (e, se consequente da reta natureza humana, algo querido por Deus).

Por outro lado, vejamos quais são os pontos-chave que definem o que é o Estado moderno nas palavras do professor de Ciências Políticas e Políticas Públicas, Patrick Dunleavy, da London School of Economics, Inglaterra:

«O Estado é um conceito complexo e multicritério. Na era contemporânea, refere-se a:

1. Um conjunto de instituições organizadas com um nível de conectividade ou coesão que justifica descrições resumidas de seu comportamento em termos “unitários”.

2. Operando em um determinado território espacial, habitado por uma população substancial organizada como uma “sociedade” distinta.

3. A “função socialmente aceita” dessas instituições é definir e aplicar decisões coletivamente vinculativas aos membros dessa sociedade (Jessop, 1990, p. 341).

4. Sua existência cria uma esfera “pública” diferenciada do âmbito da atividade ou tomada de decisões “privadas”.

Cada um desses Estados (conjunto de instituições) deve também:

5. Reivindicar soberania sobre todas as outras instituições sociais e efetivamente monopolizar o uso legítimo da força dentro do território em questão (Weber, 1948, p. 78).

6. Ser capaz de definir membros e não membros da sociedade e controlar a entrada e saída do território.

7. Fazer fortes reivindicações ideológicas/éticas para promover os interesses comuns ou a vontade geral dos membros da sociedade.

8. Ser aceito como legítimo por grupos ou elementos significativos da sociedade.

9. Comandar recursos burocráticos (Weber, 1968, pp. 212–226) para poder arrecadar impostos (Schumpeter, 1954) e ordenar os assuntos governamentais de forma eficaz, dados os custos de transação vigentes (Levi, 1988).

10. Regular substancialmente as atividades sociais por meio de um aparato legal e as atividades governamentais por meio de uma constituição.

11. Ser reconhecido como um "Estado" por outros Estados.»²

Aqui não se trata do Estado enquanto culminação natural do poder temporal, ou uma sociedade de sociedades funcionando como poder subsidiário que dá apoio às sociedades menores para que elas atinjam seu fim. Não. Trata-se, antes de tudo, de uma coesão de instituições burocráticas, ou melhor, de um consenso de instituições burocráticas que quer a todo custo impor sua visão leviatânica e indisputada sobre o todo da sociedade. É um grupo estabelecido, virtualmente inextirpável e dinástico de burocratas que manejam o Estado moderno para o rumo que querem dar. Poderíamos atribuir alguma ideologia a esse grupo, mas objetivamente o único objetivo deles é não sair de lá. Esses burocratas podem ser movidos ou até mesmo estar em intersecção com as oligarquias usurárias e as organizações secretas, mas em sua dureza de coração jamais aceitariam um “pária” católico, pois governam segundo a Cidade dos homens, e não a de Deus.

Tal é, em linhas gerais e muito resumidamente, o Estado moderno, ou, como se costuma chamar, o sistema. E por isso mesmo, diante disso tudo pareceria uma atitude pouco caridosa (para não dizer cruel) desejar jogar algum irmão católico em tal situação.

Fim.

(Assinado: Leonildo Trombela Júnior)

NOTAS

1 Jean de Viguerie, Les deux patries. Essai historique sur l’idée de patrie en France, Dominique Martin Morin, 2ª ed., Bouère, 2003, p. 11.

     2 Patrick Dunleavy, “The State”, em: Robert E. Goodin, Philip Pettit & Thomas Pogge (eds.), A Companion to Contemporary Political Philosophy, 2ª ed., Blackwell, 2007, p. 793.

FONTE: https://verbumfidelis.substack.com/p/meu-reino-por-um-cargo