Carlos Nougué
A alternância direita/esquerda é própria da
Revolução; e é diabólica no preciso sentido de que envolve o conjunto dos
cidadãos de modo tal, que estes não têm como escapar a ela, ou seja, não têm
como escapar à própria Revolução. É um círculo vicioso sem fé, nem lei, nem
rei, em sentido estrito. Ao longo do tempo, todavia, essa gangorra vai
assumindo feições diversas. Por vezes a esquerda comunista deu a impressão de
que da ditadura do proletariado não haveria volta. Mas a queda do muro de
Berlim e da URSS e o atual estado de decrepitude dos países mais propriamente comunistas
(Cuba, Nicarágua, Venezuela, Coreia do Norte) desfizeram-lhe as ilusões. Pode
até dizer-se que tal ditadura ainda persiste, firme, na China; mas de modo
profundamente alterado, ou seja, já não visa à consecução do comunismo final. É
hoje antes uma ditadura capitalista. A Rússia de Putin, por seu lado, conquanto
geopoliticamente deva apoiar as moribundas nações comunistas, é o que chamo um “czarismo
republicano”, com cesaripapismo e tudo. No restante do mundo, a gangorra direita/esquerda
dá-se no palco da democracia liberal, que é sobretudo uma sementeira de convulsões
sociais, mas não é democracia em sentido algum. É antes uma partidocracia a
serviço de uma plutocracia mais ou menos velada pela ação da mídia e pela
miragem do sufrágio universal, que faz que um dogradicto de 16 anos
tenha o mesmo peso eleitoral que um sábio jurisconsulto. Não é democracia
efetiva porque não é orgânica, ou seja, porque não se funda em corpos sociais
devidamente hierarquizados, senão que é um como o esgoto dos lábeis e manipuláveis anseios de uma massa informe e ignara. E é neste palco que a referida gangorra
infernal assume sua atual feição na maior parte do mundo. A revolução hegemônica
nos dias de hoje é a que chamo marcusiana ou sadolibertina, uma mescla de marxismo
profundamente alterado – ou seja, essencialmente capitalista mas capaz de
métodos de ação marxistas e tendente a um governo global – com o liberalismo paroxístico
que começou com um Marquês de Sade. O partido desta revolução, fundado sempre
no grande capital antes de tudo financeiro, é a ONU com seus tentáculos; e sua
religião tem sua trindade: o deus Mamon, o deus Himeros e o deus Homem, o superior
da tríade, ao qual também servem o ecumenismo e o laicismo vaticano-segundos. E
partidos como o PT e o Psol, sob a veste bolorenta do marxismo, não fazem senão
ser pontas de lança desta revolução libertina: estão em verdade a serviço de
homens como Soros e Gates, os quais, quando julgam que já não servem a seus
interesses, os descartam – foi o que se deu com Dilma. Hoje porém o PT parece
voltar a servir a seus interesses, para que possam livrar-se também no Brasil da
direita liberal-conservadora. Qual é precisamente, no entanto, a doutrina da
atual direita liberal-conservadora internacional? Em uma palavra: o liberalismo
sem o libertinismo de Sade, ou melhor, sem este libertinismo encarnado em corpo
legal. A direita liberal-conservadora não é de modo algum contra a prática
privada do que a ideologia de gênero defende; é contra que esta se torne lei. E
isto tão só em princípio, porque tal direita é capaz de conviver até com a
ideologia de gênero feita lei desde que se preservem os direitos do sacrossanto
livre mercado, da sacrossanta liberdade de expressão para o bem ou para o mal, da
sacrossanta liberdade religiosa para Deus ou para Satã, etc. Sucede contudo que
a atual direita liberal-conservadora tem uma nota muito própria: o irracionalismo advindo de sua liderança
gnóstica internacional, cujo expoente é o perenialista Steve Bannon. (O lado
eurasiano também tem seu expoente gnóstico: Alexandr Duguin, um assumido
satanista.) É justamente de suas lideranças perenialistas que a massa direitista
atual herda irracionalidades como: não há pandemia, essa invenção dos
globalistas para poderem promover o Great Reset; a máscara contra a covid é um instrumento
do Deep State para despersonalizar as pessoas; as vacinas contra a covid imprimem
a marca da besta ou introduzem um chip de 5G, ou têm por fim matar a humanidade
(com o que, digo eu, se teria um governo mundial sem governados...); o homem
não foi à Lua; a terra pode ser plana; Trump é o grande obstáculo ao advento do
Anticristo (D. Viganò dixit); dois mandatos de Bolsonaro nos permitirão
instaurar o reinado social de Cristo (Centro Dom Bosco dixit); etc., literalmente
ad nauseam.
Mas então que fazer na eleição de 2022, se
de fato ela se polarizar entre Bolsonaro e Lula? Na campanha eleitoral de 2018,
Bolsonaro ainda aparecia como um mal menor por suas promessas, incumpridas, de
lutar contra a ideologia de gênero; só por isso. Hoje, todavia, depois de anos
de descumprimento de promessas eleitorais, de desgoverno irracional e trapalhão
e de alianças com corruptos exatamente ao modo petista, será preciso fiar fino
para defender como um mal menor a candidatura de Brancaleone... ops, de
Bolsonaro. Eu não o farei. Mas votarei nele? Se o farei ou não, eis algo que
vai comigo para o túmulo.