Carlos Nougué
Em um texto anterior, referi-me criticamente
ao livro citado no título deste texto. Agora devo explicá-lo, devo aprofundá-lo.
1) Antes de tudo, este é o único livro do
Padre Sáenz que li, razão por que obviamente me é impossível falar do conjunto
de sua vasta obra. Falarei pois aqui somente do livro em questão, publicado
pelo Centro Dom Bosco.
2) O título do livro é autoexplicativo. Mas
seus problemas começam pela escolha mesma dos autores de que trata.
a) Entre os sete autores de que trata, está
o literato russo Dostoiévski. Ora, não só é inconveniente invocar a literatura
para tratar qualquer tema filosófico e sobretudo teológico, e ainda mais se se
trata de tema tão árduo como o fim dos tempos, senão que o escritor russo é
furibundamente anticatólico. Defensor de um pan-eslavismo de todo contrário a
Roma e à cristandade ocidental, seus romances não raro destilam seu ódio à
Igreja Católica. Independentemente, pois, dos méritos literários deste russo,
como incluí-lo neste livro, que se quer católico?
b) Algo – digamos – não tão grave, mas
igualmente problemático, é a inclusão entre os sete autores de outro russo,
Vladimir Soloviev. Este não odeia a Igreja Católica, mas, prevendo a
reunificação dela e da ortodoxa para o fim dos tempos, diz que cada uma tem
algo que acrescentar à outra. Ora, se algo se acrescenta a outro, é porque este
outro não é perfeito, ou seja, porque lhe falta algo. Mas isto é herético. E o
interessante é que o próprio Papa João Paulo II, ainda que imbuído do espírito
do Vaticano II, disse isto mesmo ao
dirigir-se à Assembleia Plenária da Congregação para a Doutrina da Fé: “Para
dar remédio a esta mentalidade relativista, é necessário, antes de tudo,
afirmar o caráter definitivo e completo da revelação de Cristo. […] É,
portanto, contrária à fé da Igreja a tese que afirma o caráter limitado da
revelação de Cristo, a qual encontraria seu complemento nas outras religiões.
[…] É, portanto, errado considerar a Igreja como um caminho de salvação junto
aos propostos por outras religiões, os quais seriam complementares à Igreja,
ainda que convergentes com ela para o Reino escatológico de Deus [exatamente o
que diz Soloviev]. Deve-se, pois, excluir certa mentalidade indiferentista
‘marcada por um relativismo religioso que termina por pensar que uma religião
equivale a outra’ (Redemptoris missio,
36)” (“Sólo la Iglesia Católica es sacramento universal de salvación”, Discurso
a los participantes de la Asamblea Plenaria de la Congregación para la Doctrina
de la Fe, 28/01/00, 02/02/00, em www.noticiasglobales.org).
c) E
o que dizer da inclusão do Padre Leonardo Castellani, que fora um dos alvos do decreto
do Santo Ofício (da década de 1940) assinado por Pio XII segundo o qual “o sistema
do milenarismo mitigado não pode ser ensinado sem perigo [para as almas]”? Pois
é exatamente este sistema o que o Padre Castellani sustenta no texto incluso no
livro do Padre Sáenz, que chega a dizer que a doutrina milenarista de
Castellani não cai sob a interdição do referido decreto... Tanto cai, que Mons.
Juan Straubinger, grande tradutor da Bíblia e companheiro de milenarismo de
Castellani, deixou de sustentar esta doutrina assim que saiu o decreto (como se
pode ler em nota à sua mesma tradução da Bíblia). É verdade que o prefaciador
do livro lançado pelo CDB, Leonardo Penitente, diz ali mesmo que o milenarismo mitigado é um erro e que a obra por ele prefaciada deve ser lida com cautela.
Muito bem. Mas haveria que acrescentar que deve ser lida com cautela por teólogos
– e simplesmente não deve ser lida pelo público em geral, que não tem armas
para defender-se intelectualmente diante de um autor brilhante mas defensor de
algo interditado como o é o Padre Castellani. Mas é o que eu já disse no outro texto:
infelizmente, multidão de importantes bispos, padres, juristas, etc., hispânicos
tem em Castellani uma referência, mesmo quando sustenta algo, repita-se, interditado,
e despreza assim o magistério da Igreja.
3)
Poder-me-ão porém retrucar: Mas o Cardela Joseph Ratzinger elogia o livro em carta (publicada
na edição do CDB) ao Padre Sáenz. Respondo: Ele o faz como doutor privado, não
como Magistério. Pio XII, porém, ao assinar o referido decreto
do Santo Ofício, fê-lo como Magistério supremo, como Papa, “in persona Christi”, e portanto com assistência do Espírito Santo. A conclusão
impõe-se.
NOTA
FINAL. Não tenho a menor ideia de se o CDB é milenarista. Mas está à vista de
todos que publicou um livro inconveniente, este do Padre Sáenz. E isso me basta:
é só o que eu queria dizer.