sexta-feira, 26 de junho de 2015

Matéria e forma na Lógica; uma crítica a João de Santo Tomás; etc. (em resposta a perguntas de aluno do curso Por uma Filosofia Tomista)


RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

1) Na aula 13 (quando se fala das artes servis) é dito que duas coisas estão supostas para a existência da arte: matéria e forma; quero saber se entendi bem o que se disse. A arte precisa de uma matéria e de uma forma análogas ao binômio matéria/forma - sobre o qual o curso ainda vai falar - mas não idênticas; é uma analogia entre tal binômio e entre a matéria e a forma de que as artes necessitam. E só compreenderemos perfeitamente essa analogia quando um dia estudarmos em profundidade o assunto. É assim que devo entender? 

RESPOSTA. Sim, exatamente isto. Mas basta compreender o que é matéria e forma para entender o que se diz analogicamente a elas.

1a) Quando Aristóteles fala do silogismo nos Analíticos, diz que o mesmo tem uma matéria já informada e uma figura (se entendi bem), está se falando de outra coisa que não a matéria e a forma da arte Lógica? Posso dizer que a Lógica dá figura de silogismo a uma matéria já informada (as enunciações, ou as próprias palavras)? E que, por exemplo, na marcenaria, dá-se figura de mesa à madeira, que também é matéria já informada(forma de madeira)? Acrescenta-se a tudo isso o fim; a arte busca atingir um fim com ordem, simplicidade e sem erro. Como relaciono estas coisas?

RESPOSTA. Estendamos bem o que se diz na aula. Antes de tudo, diga-se que minha crítica se volta para as teses de João de Santo Tomás na Lógica, as quais tanto influíram em toda (ou quase toda) a chamada neoescolástica. O famoso escolástico define a Lógica pela matéria e pelo fim. Ao fazê-lo, porém, dá como o próprio ou formal da razão a resolutio, que não é o próprio da razão senão na terceira operação. Mas em nossas aulas dei como o próprio ou formal da razão a universalidade, lembra-se? Pois bem, tal posição de João de Santo Tomás traz consequências sérias e, digo, equivocadas: a) antes de tudo, a casa está para a Arquitetura, isto é, como seu sujeito, assim como o raciocínio (a terceira operação) estaria para a Lógica. Todo o relativo à primeira e à segunda operação estaria para a Lógica assim como os tijolos estão para a Arquitetura, ou seja, como partes para o todo ou a matéria para a forma. E, assim como o arquiteto trata dos tijolos mas não principalmente, assim também o lógico com respeito às duas primeiras operações. Mas, segundo o que sustento, o próprio ou formal do que trata o lógico são as regras da universalidade, que têm que ver igualmente com todas as operações, razão por que as definições, as proposições e os silogismos estão na Lógica em igualdade de condições; b) por identificar o sujeito da Lógica com a resolutio, João de Santo Tomás acaba por identificar a distinção entre a matéria e a forma na Lógica (distinção necessária para a correta e completa definição desta arte) com a distinção que faz Aristóteles na consideração da análise, ou seja, no âmbito tão somente da terceira operação. Diz com efeito o Estagirita que, no âmbito dos Analíticos Anteriores, se deve considerar a forma do silogismo, e nos Analíticos Posteriores sua matéria. Mas o que ele chama forma aqui é apenas a figura do silogismo, assim como se chama forma à figura, por exemplo, do tigre (mas sua forma mais propriamente dita é sua alma). Pois bem, tal tese de João de Santo Tomás facilitou o mesmo nominalismo que ela buscava combater. E, para resumir o que sustento acerca deste assunto, diga-se que as três operações são a matéria da Lógica, enquanto sua razão formal são as regras da universalidade. – Quanto à marcenaria, a matéria é algo que já tem quididade, enquanto a forma que esta arte imprime àquela matéria é acidental, é uma forma acidental; e a quididade, por exemplo, de uma mesa só existe na mente do marceneiro e do usuário da mesa.       

1b) A forma de uma arte não se trata nem da forma do binômio matéria/forma, nem de figura? Algo que me instiga a fazer essa pergunta é o documento "Dúvidas Turma 2 - 21 - Ainda o Direito", lá é dito que o direito não tem forma, apenas matéria e fim, e que ele dá forma(me parece que essa forma tem sentido de figura) de lei aos costumes dos cidadãos. Na mesma aula 13, eu entendi que o caráter moldável da matéria e a diferença entre a figura e a forma da matéria eram importantes; fico enfim com a impressão de que a forma de uma arte é o fim que está na mente do artista.


RESPOSTA. A arte não tem forma, senão que aplica uma forma (artificial, como dito, a uma matéria que, em verdade, já é uma substância, já tem quididade própria). – Por outro lado, a figura de qualquer coisa é apenas uma espécie do acidente qualidade.

2) Quanto ao sujeito da Lógica; ele é o mesmo enquanto ela é arte e ciência? Como posso articular a definição "arte diretiva dos atos da razão e suas relações, com ordem, simplicidade e sem erro, tendo a ciência como fim" com o fato de que o sujeito da lógica são os entes de razão? Sei que estão intimamente relacionados os entes de razão e as três operações do intelecto, mas não consigo sintetizá-los numa única definição. A lógica estuda os entes de razão enquanto ciência e manipula as obras das três operações enquanto arte? A lógica tem uma razão formal como as outras que já conhecemos (ente enquanto ente, ente quanto à quantidade e ente enquanto móvel), por exemplo, 'ente de razão enquanto tal formalidade'?

RESPOSTA. Sim, o sujeito é o mesmo: os artifícios lógicos em toda a sua universalidade. É-o de uma arte enquanto esta produz artifícios de universalidade lógica, e é-o de uma ciência enquanto esta estuda tais artifícios e tal universalidade por estudá-los, como um fim em si mesmo. – Quanto à sua última pergunta, desculpe-me, mas não a entendi bem. A razão formal não é da Lógica, mas de seu sujeito. Parece-me que se trata de confusão semelhante à anterior: não é a Lógica o que tem forma, senão que aplica forma a determinada matéria; assim como não é a Lógica o que tem razão formal, mas seu sujeito.  

3) Quanto ao método da Lógica; creio que você chegou a dizer isso, nós já usamos a Lógica para iluminar a filosofia no início do curso? Da seguinte forma: usando gênero, espécie, divisão e definição para esclarecer os outros temas; ente, ser, quididade, animal, vivente, substância, acidentes, artefatos e etc. Se sim, então posso afirmar que gênero, espécie, divisão e definição são assuntos estudados pela arte-ciência Lógica, e que os outros são assuntos da metafísica (e de todas as outras ciências dentro dela)? 


RESPOSTA. Lembre-se do que digo em alguma aula do curso: gênero, espécie... são entes de razão, ou seja, artifícios lógicos, com fundamento remoto in re, na coisa, na realidade: são pois de segunda intenção; enquanto animal, homem, etc., são de primeira intenção, ou seja, com fundamento imediato in re. – Por outro lado, não há ciências “dentro” da Metafísica no sentido de serem partes subjetivas suas. Há três ciências gerais: a Física, de que são partes subjetivas a Cosmologia, a Química, a Biologia, etc.; a Matemática (de que são partes subjetivas a Aritmética e a Geometria); e a Metafísica (sem partes, repita-se, subjetivas, conquanto as tenha integrais [a ciência de Deus, a dos primeiros princípios, etc.] e potenciais [a mesma Física e a mesma Matemática]). A Física moderna é uma ciência média, ou seja, entre a Física e a Matemática.